O PS tem vivido dias agitados graças à inovação da
realização de eleições primárias que hoje se realizam em consequência da
apresentação da candidatura de António Costa à sua liderança.
O que poderia ser uma real oportunidade de mudança na vida
político-partidária portuguesa, a realização de primárias, terá sido, ao que
parece face a discursos e comportamentos a que fomos assistindo, mais uma
habilidade que visou a manutenção do "sistema".
A campanha para as primárias foi, confesso que sem surpresa,
uma campanha primária mais centrada em "umbigos" e em "contagem
de espingardas" que em discussão de ideias e projectos de mudança.
Nada de novo, a nossa organização política, as suas regras e
o seu funcionamento têm vindo a transformar a democracia política numa
partidocracia. A campanha a que assistimos foi uma versão intrapartidária do
quadro global.
Na verdade, a participação cívica e política dos cidadãos
depende quase exclusivamente do controlo dos aparelhos partidários cuja praxis
e discursos, assente no quadro legal e na administração dos interesses
pessoais, tem vindo a afastar franjas significativas da população da
intervenção cívica e política como atestam os crescentes e elevados níveis de
abstenção.
Aliás, a capacidade de mobilização dos partidos se dirige,
sobretudo, a uma minoria de pessoas que emerge dos respectivos aparelhos que,
assim, podem aceder e manter alguma forma de poder e a uma maioria que enche
autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de borla. A partidocracia não
atrai porque os partidos se tornam donos da consciência política das
pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da Assembleia da República, salvo
honrosas excepções vota-se o que o partido manda, independentemente da
consciência ou atente-se nos custos assimétricos e incompreensíveis dos encargos com os Parlamentos da Répública e os Parlamentos Regionais da Madeira e dos Açores.
Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, sobretudo mas
não só, atravessam uma complexa situação envolvendo os valores, a confiança nos
projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à
intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece
mais uma parte do problema, é velha a partidocracia para responder a problemas
novos, que um caminho para a solução.
Creio que o descontentamento e desconfiança de muitos dos
cidadãos, traduzidos em percentagens de abstenção acima dos 50%, mostram que
importa pensar numa participação política para lá dos partidos, várias
manifestações com grande mobilização que escaparam à lógica da partidocracia,
bem como iniciativas de grupos de cidadãos mobilizados por causas ou algumas
candidaturas verdadeiramente fora do espectro partidário, dão sinais nesse
sentido.
De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o
afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação
cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que
temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior. A
realização de eleições primárias no PS que poderia ser um primeiro passo no
sentido da mudança mostrou uma campanha que foi mais do mesmo em versão
"para interiores".
Existe, tem que existir política para além dos partidos, que
se reformam a sério ou tenderão a implodir com riscos para própria democracia
cuja saúde já está debilitada.
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