"A perversão da liberdade"
Paulo Guinote desenvolve no Público uma abordagem a um
aspecto central das políticas educativas que merece reflexão.
De há uns anos para cá têm-se ouvido insistentemente discursos
assentes numa visão “mágica” da chamada liberdade de educação que se
caracterizam frequentemente por demagogia e referências a uma qualidade que as
experiências e os estudos conhecidos em muitas realidades não autorizam.
Por outro lado, temos vindo a percorrer um processo
fortíssimo de encerramento de escolas, que em algumas circunstância poderia ser
defensável, mas em que muitas outras ocorre com evidente prejuízo das crianças
e das famílias obedecendo a interesses outros que não a qualidade da educação.
A questão económica também não pode justificar todas as decisões pois o
investimento em educação de qualidade é de retorno garantido.
Na perspectiva de Paulo Guinote uma das consequências deste
processo é justamente, um ataque à liberdade de educação num sentido mais sólido,
a escolha que possa não estar só dependente do poder de compra.
Na verdade, fechando escolas, centralizando respostas com
lotação elevada, as famílias terão menos possibilidade de aceder a escolas integradas
no sistema público de ensino e educação.
A questão é que este movimento se inscreve na visão e missão
a que Nuno Crato deitou mãos. De facto, nos seus tempos de opinador eram muito
conhecidas as suas teses contra o construtivismo e contra o eduquês, seja lá
isso o que for.
Ao chegar a Ministro e de uma forma cada vez mais clara, Nuno
Crato reciclou o seu discurso, convertendo-se ao politiquês, negação da
realidade, discursos demagógicos cheios de referências que vendem bem, rigor, excelência,
avaliação, por exemplo, e, mais do que isso, assumiu uma visão não
construtivista mas destrutivista. Assim, empreendeu a destruição tranquila do
sistema público de ensino e educação, cortes nos professores, encerramento de
escolas, incremento dos dispositivos de selecção, desvalorização dos
professores, etc.
Neste contexto, e de acordo com a agenda, promove-se a
procura das respostas educativas fora do sistema público, ou seja, algumas
famílias poderão aceder aos melhores serviços, até com apoio estatal, dado diretamente
às famílias ou disponibilizado aos estabelecimentos de ensino.
Como também é sabido, a cultura mais generalizada entende os
estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são
profundamente selectivos na população que acolhem, o que leva, justamente,
muitos pais a escolher "comprar", por assim dizer, essa
exclusividade, que só por existir já é um negócio, um bom negócio.
O problema grave e inquietante é que a maioria das famílias
irá, evidentemente, manter os seus filhos nas escolas públicas que sofrendo
forte desinvestimento terão menos recursos, apoios e autonomia e em que os
professores serão obrigados a funcionar num registo de "contents
delivery" a turmas enormes de alunos que através de sucessivos exames passarão
por uma espécie de "darwinismo educativo" sobrevivendo os clientes
mais fortes, sendo os mais fracos enviados para o "trabalho manual".
Sopram ventos adversos, são os mercados a funcionar, dizem,
também na educação. Os clientes mais "favorecidos", para utilizar um
eufemismo frequente, comprarão bons serviços educativos e os menos
"favorecidos" ... assim continuarão.
Sem liberdade de educação, como refere Paulo Guinote.
É o destino.
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