quinta-feira, 24 de julho de 2014

OS MERCADOS "BONS" NÃO JOGAM GOLFE E NÃO TÊM COMPADRES

"Eu sei que a narrativa dominante atribui aos mercados o papel de monstros insensíveis, mas deixem-me citar o texto de Pedro Santos Guerreiro: “O credor estrangeiro – às vezes chamam-lhe ‘mercados’ – torna-se accionista à força e vira investidor. É a força mais poderosa que se abateu sobre a economia portuguesa. É ele que escolhe gestão profissional em vez de familiar, e que prefere sempre fluxos de caixa a qualquer outro tipo de retorno, que pode sempre pressionar o pagamento de dividendos em vez de reinvestimento.” Isto é uma revolução na economia nacional, e uma revolução patrocinada pelos malvados “mercados” – o monstro só vê dinheiro, sim, mas antes só ver dinheiro do que só ver compadres."

João Miguel Tavares, um outro espírito emergente, que substituiu o geniozinho Pedro Lomba no Público ocupando o mesmo espaço, aliás, no sentido mais abrangente do termo, perora hoje sobre a implosão do grupo BES enquadrando o comentário no ajustamento de um modelo económico com gestão provinciana e familiar com todos os vícios conhecidos que deverá ser substituído por modelos com gestão profissional e, evidentemente, com retorno assegurado porque os investidores, os mercados, assim o exigem. Pelo meio mostra-se incomodado com a diabolização dos mercados, os "malvados" para usar o seu termo concluindo pela emrgência de uma "... revolução na economia nacional, e uma uma revolução patrocinada pelos malvados "mercados" - o monstro só vê dinheiro, sim, mas antes só ver dinheiro do que só ver compadres", o pecado apontado à conjuntura provinciana, familiar e amiguista que sustenta os Espírito Santo e outros que tais.
A questão é que, do meu ponto de vista, estes espíritos emergentes esquecem um pequeno pormenor. Quando os mercados "só vêem dinheiro" torna-se evidente que a consequência é "esquecerem-se" das pessoas. O mundo inteiro tem muitos milhões de pessoas esquecidas e excluídas pelos "mercados" e ainda acontece que também os "mercados" se alimentam de muitos outros milhões que são usados como "activos descartáveis" em qualquer momento que a ideal "gestão profissional" exigida pelos mercados determine.
É interessante o aproveitamento da tenebrosa situação do grupo BES e da gestão de Ricardo Salgado and friends para vender uma ideia branqueadora dos "mercados" e da sua acção selvagem. Não entendo que as economias abertas sejam incompatíveis, por assim dizer, com as pessoas, antes pelo contrário, podem e devem sê-lo. No entanto, os últimos anos mostram como é imprescindível a regulação eficaz e oportuna da acção dos "mercados", não basta que tenham gestão "profissional", que não "joguem golfe" ou que não tenham "compadres". Os mercados não têm alma nem ética.

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