domingo, 20 de julho de 2014

TRANSPARÊNCIA NO DIZER

Muitas vezes nos referimos à riqueza e criatividade da língua portuguesa. Uma das particularidades que mais me fascina, é a forma como mascaramos ideias ou sentimentos através das expressões utilizadas. Alguns exemplos para ilustrar este comportamento.
Quando a alguém, sisudo e triste, perguntamos, “o que é que tens?”, deveríamos utilizar um mais difícil “o que é que te falta?”.
Quando a uma pergunta sobre o seu bem-estar nos respondem “assim, assim” ou “vamos andando”, deveremos entender “não estou bem”.
Quando a resposta a um retórico “tudo bem?” é um apagado “cá estamos”, deveremos acrescentar “mal, cansado e sem ânimo”.
Quando a uma solicitação de ajuda ou conselho, ouvimos “nem sei o que te diga”, deveremos entender, “sei o que te diga, mas não sei se devo ou posso”. Quando uma apreciação a algo é “nada por aí além”, deveremos considerar que é algo “muito aquém”. Quando alguém “não é particularmente interessante”, quer dizer que é um chato que não se aguenta.
Noutra formulação, quando alguém “até nem é mau tipo”, deve entender-se que é um fulano intragável.
Quando se diz de alguém é "interessante" deve entender-se como "é esquisito".
Quando se diz de alguém que se conheceu "é simpático, parece uma pessoa simples" deve entender-se "não parece muito inteligente".
A incerteza sobre “como é que te hei-de explicar” significa, na verdade, “duvido que sejas capaz de entender”.
Já imaginaram o custo pessoal e social que teria a transparência no dizer?

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