"Licenciatura, mestrado ou emprego? Ano sabático pode ser opção"
Ainda de forma incipiente, quer por razões culturais, quer
por questões económicas, começam a surgir em
Portugal as primeiras experiências de “gap year”, um ano sabático, sem estudar
ou trabalhar, no final do secundário ou entre a licenciatura e o mestrado.
Neste período os jovens viajam, desenvolvem acções de voluntariado ou outras
iniciativas.Estas experiências são razoavelmente comuns noutros países,
Inglaterra, por exemplo.
Os defensores da iniciativa vêem este ano sabático como algo
de muito vantajoso no percurso dos jovens no sentido de estimular a sua
autonomia e conhecimento da vida antes de ingressar no ensino superior. As
potenciais vantagens são superiores aos eventuais efeitos negativos da
"perda" de um ano sem estudar. Alguns especialistas apesar de algumas
vantagens, manifestam algumas reservas face às diferenças culturais, aos
modelos sociais e às questões de natureza económica envolvidas.
Sobre esta questão algumas notas telegráficas.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro
de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem
para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem
que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de
vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar e em qualquer idade. Na
verdade, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente
que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em
cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de
promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de
si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez
de dar o peixe".
Dito isto, sou por princípio favorável a iniciativas que
favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção
que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais
e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança. por
exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em
termos genéricos, promotora da sua autonomia. Os miúdos são permanentemente
bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o
seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco
autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo
agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que
fazemos ou não fazemos. Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não
habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma
oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um
comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, auto-determinados, serão
mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma
ajustada o que fazer ou pensar, o que sublinha a importância de em todo
processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular
a autonomia dos miúdos.
Este entendimento, que creio pouco presente em muito do que
fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos,
parece-me bem mais necessário que uma experiência realizada só por alguns, numa
fase determinada da sua vida por mais interessante que possa ser e por mais
efeitos positivos que possa produzir nos jovens envolvidos, quando corre bem,
evidentemente.
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