quinta-feira, 31 de julho de 2014

OS PROBLEMAS DAS MINORIAS SÃO, OBVIAMENTE, PROBLEMAS MINORITÁRIOS OU MESMO ... NÃO PROBLEMAS

O Público apresenta um trabalho muito interessante sobre a forma como as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens estarão, ou não, preparadas para lidar com crianças e jovens com orientações sexuais diferentes. O estudo apresentado sugere a existência de dificuldades de actuação face a um problema que raramente é abordado mas que é fonte de sofrimento para muitas crianças, adolescentes famílias. Retomo umas notas com base em alguns dados que tendo algum tempo se manterão, creio, actuais.
Num Relatório da Rede Ex-Aequo constava que em 2012 foram registadas 37 denúncias de homofobia e transfobia, sendo que 42 % da juventude lésbica, gay ou homossexual afirmou ter sido vítima de bullying homofóbico, 67% dos jovens declarou tê-lo presenciado e 85% afirmou já ter ouvido comentários homofóbicos na escola que frequenta. Em muitas situações desta natureza emergem quadros “baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de muitos jovens. O mesmo relatório referia ainda episódios recorrentes de bullying homofóbico em contextos de praxes académicas, situação que já aqui também comentei.
Recordo que em Novembro de 2011, dados da UNESCO referiam que cerca de 70 % de alunos homossexuais afirma ser vítima de bullying e ainda que também no início de 2011, dois serviços do ME recusaram apoiar a distribuição pelas escolas de material produzido no âmbito do Programa Inclusão apoiado e financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Estes materiais destinavam-se a apoiar uma campanha de combate a atitudes e comportamentos discriminatórios relativamente à orientação sexual.
A justificação, segundo a imprensa na altura, para que a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular e o Núcleo de Educação para a Saúde, Acção Social e Apoios Educativos recusassem o apoio uma iniciativa envolvendo uma outra estrutura pública foi o "cariz ideológico" das matérias.
Para além da óbvia confusão entre ideologia e valores, ficou estranho, no mínimo, o entendimento de que a prevenção e combate à atitudes de discriminação face a minorias que tem uma incidência fortíssima e que os dados hoje divulgados só confirmam, se possa recusar por se tratar de ideologia. Pela mesma ordem de razões, não devem ser incentivadas e muito menos apoiadas pelo ME, acções que, por exemplo, combatam a xenofobia ou o racismo, terão certamente um "cariz ideológico".
Este tipo de decisões, para além da evidente incompetência, é revelador de uma assustadora irresponsabilidade. É reconhecida a presença de comportamentos discriminatórios face a minorias de diferente natureza. Sabe-se que tanto como na remediação, importa apostar na prevenção, parece claro que em matéria de prevenção o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino", e foi o Ministério da Educação que se opôs a iniciativas que outros organismos públicos julgaram relevantes. A titular da pasta da educação ainda veio alguns dias depois apresentar umas desculpas irrelevantes e que não alteraram a substância da primeira decisão.
Esperemos que face à dimensão dos incidentes de bullying, de discriminação ou de má abordagem, que continuam a verificar-se, e dirigidos a um alvo em particular a que acrescem os outros comportamentos da mesma natureza, sejam uma preocupação não ideológica mas de direitos e de natureza civilizacional no contexto das políticas e processos educativos.
Neste contexto percebe-se as dificuldades de resposta das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens a crianças e adolescentes com orientação sexual diferente. Juntam-se, aliás, às dificuldades que também sentem por várias razões, meios e volume e complexidade de casos, por exemplo, em dar resposta a outras situações.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM MODO DUPLA MENSAGEM

"Pais pedem “reforço” do apoio e dos recursos para educação especial"

"Escola recusa aluna disléxica"
Não conhecendo esta notícia com profundidade e com o necessário contraditório uso-a com prudência mas, apesar disso, como mais um provável exemplo de um sistema educativo, que tende a funcionar em modo "dupla mensagem". Vou tentar clarificar.
Boa parte das peças normativas e de orientação em matéria de educação emanadas pela 5 de Outubro, bem como muitos discursos dos responsáveis a diferentes níveis, contêm referências abundantes e explícitas à educação inclusiva e à equidade de oportunidades no âmbito da educação escolar. Essas referências enxameiam os preâmbulos e justificações para orientações e decisões. Esta é a primeira das duas mensagens e radica no facto de Portugal estar vinculado pelas leis que produziu e pelas Convenções internacionais que subscreveu e num discurso "politicamente correcto" que "manda" defender a educação inclusiva.
A questão é que existe uma outra mensagem, o reverso da medalha, por assim dizer.
De facto, também abundam os exemplos noutro sentido, vejamos alguns ao correr da lembrança.
Os constrangimentos em matéria de docentes, técnicos especializados e pessoal auxiliar que impossibilitam a resposta adequada e em tempo oportuno a todos os alunos com necessidades especiais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A Portaria que regula o cumprimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos para os alunos com necessidades especiais e que, de forma incompreensível e inaceitável, estabelece que estes alunos "apenas" devem frequentar as escolas regulares num mínimo de 5 horas semanais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A constituição de turmas de bons e de maus alunos que, com frequência, não se inscrevem em programas de apoio e assumem uma natureza definitiva. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A forma como em matéria de exames muitos alunos com necessidades especiais têm sido "normalizados" desrespeitando as suas necessidades individuais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
O entrave à frequência que algumas escolas colocam ou, outra variante, a sugestão feita às famílias para que tenham as crianças com necessidades especiais mais tempo em casa pois na escola não existem condições. Este tipo de procedimento radica, provavelmente, nas condições das escolas mas também na sua cultura. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A definição de respostas para grupos particulares de necessidades que, em algumas circunstâncias, funcionam de forma tão "guetizada" que os alunos que as frequentam nem sequer aos intervalos contactam com os seus colegas de escola. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A estruturação de um sistema educativo assente num ensino que já não é educação mas cada vez mais a "passagem" de competências instrumentais nas áreas disciplinares verdadeiramente importantes. A aquisição destas competências é certificada através de uma enxurrada de exames que vão excluindo os menos dotados, os preguiçosos, os que não querem aprender. O grupo resultante deste processo darwinista e de acordo com as suas capacidades será encaminhado para a aprendizagem nas empresas (chamam-lhe ensino dual), para formação de segunda ou, os menos dotados, para instituições. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
Funciona, portanto, assim a mensagem dupla em matéria de educação inclusiva produzida pelo MEC, e não só. Sempre me lembro o Mestre Almada que na extraordinária "Cena do Ódio" falava sobre "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões". 
Tantos discursos, normas e orientações em defesa da educação inclusiva e tantas crianças e jovens que ....

DELINQUÊNCIA, ADOLESCENTES E JOVENS. SERÃO EDUCATIVOS OS CENTROS EDUCATIVOS?

"Centros educativos já não têm vagas para acolher mais jovens condenados"

Ao que se lê no Público, os Centros Educativos, estruturas que acolhem adolescentes envolvidos em casos de delinquência estão sobrelotados e impossibilitados de receber mais indivíduos.
Esta situação que se adivinhava agudizou-se com o encerramento do Centro de Vila do Conde. No âmbito deste universo, os Centros Educativos como resposta a casos de delinquência envolvendo adolescentes e jovens, algumas notas.
À sobrelotação dos Centros e à falta reconhecida de recurso humanos com qualificação, acresce uma problema grave, segundo um estudo divulgado há meses, o Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela DGRSP e co-financiado pela Comissão Europeia, revelou que a média etária dos rapazes dos centros é de 16,6 anos. Em geral, acumulam mais de três anos de chumbos na escola, e, em 80% dos casos, são de famílias cujo estatuto socioeconómico é baixo. É ainda relevante que mais de 90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Por outro lado, segundo dados da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 24% dos jovens de alto risco de envolvimento em comportamentos de delinquência e a quem foram aplicadas medidas tutelares incluindo o internamento em Centros Educativos reincidiram nos primeiros 12 meses e ao fim de 26 meses a taxa de reincidência sobe para 48.6%.
Julgo importante ainda recordar dados divulgados em 2012 que sublinharam o aumento da delinquência urbana, sendo que 86% dos incidentes registados são protagonizados por gente jovem,  dos 16 aos 35 anos.
Sempre que estas matérias são discutidas, os especialistas acentuam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos mais novos em episódios de delinquência. É também reconhecido que as equipas técnicas e recursos disponíveis nos Centros Educativos são insuficientes e inibem a resposta ajustada na construção de programas de educação e formação profissional.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos, sobretudo os mais novos, e minimizar os riscos de reincidência.
No entanto a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

A QUEDA DE UM ANJO

Desta vez em Viana do Castelo. Uma criança de três anos e meio caiu de uma altura de 10 metros no prédio onde vive com a família.
O povo costuma dizer que “ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo". Desta vez, felizmente, aconteceu, a criança parece fora de perigo.
Dada a regularidade destes episódios, algumas notas, de novo.
De acordo com a Associação para a Promoção da Segurança Infantil, dados de 2013, em dez anos, mais de 100 crianças morreram e 40 mil foram hospitalizadas devido a quedas, grande parte das quais em edifícios (varandas ou janelas) e quedas de escadas.
Também as piscinas continuam anualmente a ser palco de acidentes com enorme gravidade ou fatais.
Continuamos a ser um dos países europeus em que acontecem maior número de acidentes domésticos com crianças. Nas mais das vezes verifica-se alguma negligência ou excesso de confiança da nossa parte, adultos, na vigilância dos miúdos a que se junta a inexperiência e o à vontade próprios dos mais pequenos.
A dor e a culpa que alguém pode carregar depois de episódios desta natureza serão, creio, suficientemente fortes para que deixemos de lado o aspecto da culpabilização que aqui nada acrescenta.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes, também se verifica um número altíssimo de acidentes, por vezes mortais, o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma e em circunstâncias que, do meu ponto de vista, me parecem excessivas e, por outro lado, em muitas situações adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.
E não adianta pensar que só acontece aos outros.

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DE NOVO

"Em seis meses foram assassinadas 24 mulheres e a grande maioria por violência doméstica"

Estes números impressionantes não surpreendem, lamentavelmente. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
Recordo que no início de Março, num estudo realizado sob a responsabilidade da Agência para os Direitos Fundamentais da UE se afirmava que 24% das mulheres portuguesas inquiridas reportou ter sido vítima de violência física ou sexual por parte do parceiro, indicador que está abaixo da média europeia, 33%. No entanto, parece-me de sublinhar pelo seu impacto, que 93% das mulheres portuguesas tem a percepção de que a violência é um fenómeno “comum” ou “muito comum”.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância estará associada à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Por outro lado, apesar do aumento das condenações por violência doméstica, importa combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e também, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

O SOZINHISMO, UMA DOENÇA QUE MATA

"Necessário programa de apoio para famílias que cuidam dos seus idosos em casa"

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida propõe a criação de um “programa de apoio” às famílias que cuidam ou desejam cuidar dos seus idosos em casa de forma a minimizar até onde possível o afastamento dos seus próximos, das suas rotinas e a institucionalização.
Esta iniciativa, que se torna urgente e extensível a outros grupos, como os adultos com deficiência, corre o risco de ser contrariada pelos interesses fortíssimos das instituições que operam nesta área de “negócio”. Os apoios do Estado, directos ou indirectos, privilegiam as respostas institucionais e não os apoios às famílias para o cuidar dos que têm necessidades especiais.
Argumenta-se com frequência que existe o risco de aproveitamento das famílias. Entendo o argumento, mas também sabemos da falta de qualidade e abusos verificados em muitas instituições, para além da proliferação de respostas clandestinas. Exige-se, por isso, regulação e acompanhamento de modo a prevenir abusos ou falta de qualidade.
O número de idosos a viver sós tem aumentado exponencialmente. Segundo os dados dos Censos de 2011, cerca de 1,2 milhões de idosos vivem sozinhos ou na companhia de outros idosos,  sendo que o grupo populacional com 65 ou mais anos de idade já ultrapassou os dois milhões, representando cerca de 19% da população total, pelo que o número de pessoas idosas a viver só, deverá continuar a aumentar.  
Neste universo é ainda de recordar a frequência com que surgem notícias de velhos que morrem sós sem que ninguém se dê conta de tal tragédia.
Apesar do que consta nas certidões de óbito, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo.
Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater.
Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. 
Neste contexto, a manutenção dos idosos ou de outros cidadãos com necessidades especiais com as suas famílias, até ser possível, minimizaria a institucionalização ou o isolamento que abrevia o destino.

terça-feira, 29 de julho de 2014

OUTRO ILUMINADO

"Ai se eu fosse professor!"

Bom, se fosse professor talvez fosse mais conhecedor do que fala e não consideraria a classe docente um bando de manipuláveis, pouco inteligentes e irresponsáveis que se comportam desrespeitosamente, deixando-s manipular infantilmente pelos terroristas maquiavélicos e políticos dos dirigentes sindicais.
Assim ... resta-lhe a arrogância da ignorância, meu caro Paulo Barradas.
É verdade que no iluminado pensamento de Paulo Barradas temos, cito, "a agravante da actual criminalizacão dos castigos corporais e outros, outrora tão eficazes, quer na escola quer em casa."
Se não fosse isso poderia ser uma forma de lidar com esses delinquentes, os professores. Que pena.
Trata-se, de facto, de uma peça antológica.

A LER, AO CUIDADO DA 5 DE OUTUBRO

"Avaliação de professores: o "politiquês" em discurso directo?"

Um texto interessante sobre o estado da educação e a sinistra Prova assinado por um "Pai e encarregado de educação" que não é professor.
Um texto que vai no mesmo sentido do que afirmo com alguma regularidade, muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos.

AS ONG E O COMBATE À POBREZA

"ONG dizem que “uma soma de medidas não é uma estratégia” contra a pobreza." 

O Fórum Não Governamental para a Inclusão Social que integra  um conjunto de organizações como a Amnistia Internacional, a Cáritas Portuguesa, a Rede Europeia Anti-Pobreza, a ANIMAR — Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local e a Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social, vem afirmar que o Programa Operacional Inclusão Social e Emprego enquadrado no objectivo definido no Quadro Comunitário de Apoio 2013-2020 de que 20% do Fundo Social Europeu seja obrigatoriamente dedicado ao combate à pobreza não passa de um conjunto de medidas avulsas, sem coesão e articulação com as instituições que operam com as populações e não representam, de facto, uma estratégia de combate à pobreza.
Lamento o meu pessimismo, mas parece-me difícil que um Governo que tem sustentado as políticas brutais de cortes nos rendimentos das famílias e nos apoios sociais com a justificação de que os portugueses viviam "acima das suas possibilidades" e de que teríamos de "empobrecer" viesse agora definir de forma ajustada um Programa de combate à pobreza.
O saldo tem sido positivo nesta perspectiva do Governo, a esmagadora maioria das famílias está mais pobre, aumentou a exclusão e o Estado Social vai sendo revisto em baixa.

Neste cenário seria completamente imprevisível que se desenhasse uma estratégia eficaz de combate à pobreza mesmo que a UE inscreva essa preocupação nos seus objectivos. Fica-lhe bem mas não passa de retórica. 
Os mercados não têm, evidentemente, como objectivo combater a pobreza.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

EM NOME DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA

"Juiz liberta suspeito de abusar de criança em carrossel proibindo-o de frequentar parques de diversões"

No Tribunal de Instrução de Gaia um juiz tomou uma corajosa mas extrema decisão face a um indivíduo acusado de abuso sexual a uma criança de oito anos cometido num carrossel instalado num parque de diversões.
Considerando que o indivíduo em causa já cometeu crimes semelhantes, está em julgamento uma outra situação de abuso a criança de oito anos ocorrido há quatro anos, o magistrado, numa impiedosa decisão que, provavelmente, ferirá os direitos do indivíduo proibiu-o, imaginem, de entrar em parques de diversões.
Como é que se pode aplicar tão desumana medida a quem simplesmente abusou de uma miúda de oito anos?  
Como se não bastasse a crueldade desta decisão ainda o proibiu de contactar a criança e está obrigado a apresentações regulares na polícia. Porquê este conjunto de punições? É incompreensível.
Agora mais a sério. Esta história mostra como apesar de todos os discursos e retórica em nome do superior interesse da criança, da legislação de qualidade e de diferentes dispositivos que já existem para responder a situações de risco e problemas dos miúdos ainda nos falta o essencial, uma cultura de protecção da criança.
Será que este juiz não alcança o impacto devastador deste tipo de decisões? Está a dar o sinal errado e alimentar  sentimento de impunidade e falta de confiança na justiça.

O MEC E AS COMISSÕES DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

"Cada comissão de protecção de crianças continuará a ter um professor"

Segundo o Relatório da Actividades das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco relativo a 2013, aumentou o número de casos, foram acompanhadas 71.567 crianças, mais 2560 do que em 2012. A exposição a situações de violência doméstica, a negligência e casos relativos ao direito à educação (abandono, absentismo ou insucesso escolar) são as situações com maior incidência. É ainda relevante que os casos de crianças abandonadas ou entregues a si próprias quase duplicaram.
Verificou-se ainda o aumento do número de situações de consumos, álcool e droga, bem como de indisciplina severa.
Merece registo positivo a diminuição de casos envolvendo negligência, abuso sexual, maus-tratos psicológicos, abandono, mendicidade e trabalho infantil.
Em termos globais e como habitualmente refere o Juiz Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco,  importa ainda considerar que "nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção".
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa as dificuldades severas que muitas famílias atravessam e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
Acresce que as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial.
Alguns dados do Relatório de 2013, em 305 Comissões em actividade desempenhavam funções 2565 elementos na modalidade alargada, dos quais 2565 na modalidade restrita. O MEC tem nas 305 Comissões 272 professores a tempo inteiro ao abrigo do Protocolo com o Ministério da Solidariedade e Segurança Social. O MEC anunciou hoje que vai manter os docentes nestas funções e nas comissões que acompanhem mais que 1000 situações colocará um segundo docente com a função de mediador.
Como já referimos, o ano passado foram acompanhadas 71 567 crianças e jovens em risco, o número está em crescimento, os casos relativos ao direito à educação são dos que apresentam maior frequência e o MEC mantém para as 305 Comissões os 272 docentes a tempo inteiro colocando mais um docente apenas nas Comissões que lidam com mais de 1000 casos, uma enormidade. Não se entende e não se aceita, sobretudo quando sabemos que existem docentes sem horários lectivos e estão a ser empurrados para fora do sistema. Lamentável.
Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

MIÚDOS QUE PASSAM MAL NÃO APRENDEM

"Cantinas voltam a abrir no Verão para apoiar alunos carenciados e permitir actividades"

Já nos vamos habituando a que muitas autarquias mantenham as cantinas escolares abertas durante as férias escolares. De facto, muitas crianças e adolescentes encontram na cantina escolar a única refeição consistente e equilibrada a que acedem.
Como se sabe, as carências alimentares atingem muitíssimas famílias, o próprio MEC procurou responder através do PERA - Programa Escolar de Reforço Alimentar, durante o último ano lectivo, são múltiplas as situações de crianças a chegar à escola sem alimentação, sendo que as únicas refeições que a que acedem são as que as escolas proporcionam o que também tem levado justamente inúmeras autarquias a manter abertas nas férias a cantinas escolares.
O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares no rendimento escolar e comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.
É também reconhecido que as crianças constituem um dos grupos mais vulneráveis e que sofrem maiores consequências das dificuldades sentidas nas suas comunidades e famílias.
Um Relatório de 2013, "Food for Thought", da organização Save the Children, afirmava que 25% das crianças terão o seu desempenho escolar em risco devido à malnutrição com as óbvias e pesadas consequências em termos de qualificação e qualidade de vida de que a educação é uma ferramenta essencial.
Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
Quando penso nestas matérias sempre me lembro da história, umas das maiores lições que já recebi e que já contei várias vezes e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique. Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA

"Licenciatura, mestrado ou emprego? Ano sabático pode ser opção"

Ainda de forma incipiente, quer por razões culturais, quer por questões económicas, começam a surgir em Portugal as primeiras experiências de “gap year”, um ano sabático, sem estudar ou trabalhar, no final do secundário ou entre a licenciatura e o mestrado. Neste período os jovens viajam, desenvolvem acções de voluntariado ou outras iniciativas.Estas experiências são razoavelmente comuns noutros países, Inglaterra, por exemplo.
Os defensores da iniciativa vêem este ano sabático como algo de muito vantajoso no percurso dos jovens no sentido de estimular a sua autonomia e conhecimento da vida antes de ingressar no ensino superior. As potenciais vantagens são superiores aos eventuais efeitos negativos da "perda" de um ano sem estudar. Alguns especialistas apesar de algumas vantagens, manifestam algumas reservas face às diferenças culturais, aos modelos sociais e às questões de natureza económica envolvidas.
Sobre esta questão algumas notas telegráficas.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar e em qualquer idade. Na verdade, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Dito isto, sou por princípio favorável a iniciativas que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança. por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. Os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, auto-determinados,  serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar, o que sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a  autonomia dos miúdos.

Este entendimento, que creio pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos, parece-me bem mais necessário que uma experiência realizada só por alguns, numa fase determinada da sua vida por mais interessante que possa ser e por mais efeitos positivos que possa produzir nos jovens envolvidos, quando corre bem, evidentemente.

domingo, 27 de julho de 2014

AINDA A SINISTRA PROVA. OS EQUÍVOCOS HABILIDOSOS

A prova, os professores e os sindicalistas

  • André Azevedo Alves
Apesar da sabedoria popular afirmar não ser de "gastar cera com tão ruim defunto", a prosa de André Azevedo Alves no Observador sobre a sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades definida o acesso à carreira docente uma sugere uma nota telegráfica.
Contrariamente a muitos dos comentadores que defendem a prova e a bondade da sua existência estabelecendo, por desconhecimento da própria Prova, um equívoco em torno da questão mais lata da avaliação de professores, André Azevedo Alves alimenta intencionalmente e de forma pouco séria este equívoco desde logo estabelecendo o seu enquadramento com a admissão de funcionários da administração.
Não está evidentemente em causa a avaliação do desempenho dos professores ou a forma de admissão na administração, mas sim a avaliação do nível de "conhecimentos" e "capacidades" para se ser professor.
Partindo do pressuposto que exista por parte do Ministério da Educação a exigência de um dispositivo que lhe permita avaliar os candidatos a professor, tal dispositivo só pode ser estruturado assente naquilo que é a essência da função docente, o trabalho em sala de aula com os alunos, por exemplo, um ano probatório, aliás, já usado no nosso sistema, com prática e relatórios avaliados por avaliadores competentes. Este é o modelo mais utilizado e o que, obviamente melhor permite avaliar como um candidato a professor desempenha a profissão que quer abraçar.
André Azevedo Alves sabe, seguramente,  que assim que deve ser, pelo que uma Prova com as características da que Nuno Crato obrigou professores experientes a realizar, com 32 itens de resposta múltipla, com questões fora do que é o trabalho docente e um texto de desenvolvimento com um máximo de 350 palavras e um mínimo de 250, além da inadequação aos objectivos "Avaliar Conhecimentos e Capacidades" é, de facto, uma humilhação aos candidatos a professor (muitos já o são e foram avaliados enquanto tal) mas também a todos os professores. Parece, aliás, claro que com esta sinistra Prova o objectivo não é "escolher os melhores", o mantra de Crato mas eliminar mais alguns.
Os seus argumentos de louvor à sinistra Prova e a Nuno Crato e de ataque aos professores são legítimos, sem dúvida, mas não são sérios.
Mas também porque haviam de ser?

EI-LOS QUE PARTEM, VELHOS E NOVOS

"301 portugueses emigram por dia"

No ano de 2013 saíram do país 110 000 pessoas, 1% da população, de acordo com o Relatório do Observatório da Emigração
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar embora preocupe pelo volume e conjuntura.
Na verdade, creio que é preocupante constatarmos que se durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
De todo este cenário, resulta o retrato de um país pobre, envelhecido, onde poucos querem fazer nascer crianças, donde muitas pessoas partem, fogem, à procura de uma vida que aqui lhes parece inacessível.

E o futuro? O futuro não mora aqui. Ei-los que partem, velhos e novos.
Virão um dia ... ou não.



OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA (enésimo episódio)

"Jaime Ramos vende prédios à Fundação PSD de que é administrador"

Transacções ficaram isentas de impostos por despacho de membros do governo regional, também dirigentes do PSD-Madeira. 
O que sempre escrevo a propósito dos recorrentes episódios elucidativos dos negócios da família.

"A roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma família alargada que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre entidades e empresas públicas e entidades privadas, promovendo frequentemente em negócios que insultam os cidadãos. 
Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios obscuros de natureza multifacetada e de escala variável, desde o jeitinho para o emprego para o amigo até aos negócios de muitos milhões.
Acontece ainda e isto tem efeitos devastadores, que muitos dos negócios que esta família vai realizando envolve com frequência dinheiros públicos e com pesados encargos para os contribuintes.
Esta família conta ainda com a cooperação de um sistema de justiça talhado à sua medida pelo que raramente se assiste a alguma consequência decorrente dos negócios da família.
Curiosamente, mas sem surpresa, todos os membros desta família, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila.
Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.
Esta é a pantanosa pátria, nossa amada." 

Aguarda-se o próximo episódio.

sábado, 26 de julho de 2014

VENHO DEVOLVER A CRIANÇA

"Adopção. João tinha uma mãe mas foi devolvido assim que a irmã nasceu"
No I de hoje conta-se a história a arrasadora do João, 11 anos, que tendo, por acaso do destino, nascido numa família que não o foi, entrou numa instituição e posteriormente num processo de adopção.
Algum tempo passado, a família adoptiva devolveu-o por comportamentos que quem o conhece e acompanha agora, de novo numa instituição, não parecem muito plausíveis. O João é também portador de HIV e tem-se mostrado perplexo, muito inquieto e reactivo face a uma devolução que não sabe que aconteceu e a uma situação que não compreende, deixou, de novo, de ter uma família.
Na verdade, os casos de “devolução de crianças em processo de adopção são mais numerosos do que se imagina. Muitas das decisões tomadas pelos Serviços de Justiça são incompreensíveis, sobretudo se escrutinadas pelo “superior interesse da criança”.
Nos últimos anos registaram-se mais de 100 casos de crianças que foram devolvidas, isto é, viram o seu processo de adopção interrompido. Muitas destas situações deveram-se ao facto de as crianças "não corresponderem às expectativas" das famílias adoptantes.
Vejamos com mais atenção. Uma criança, por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma, experiência devastadora com efeitos que não podem deixar de ser significativos.
Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa situação limite.
A lei permite, não sei se terá sido alterada, que durante seis meses a criança possa ser devolvida, trata-se de um período de adaptação, uma espécie de contrato à experiência. O Juiz Armando Leandro presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, reconhecia há algum tempo que a devolução não tem de ser baseada em "critérios necessariamente válidos". Também há algum tempo num trabalho sobre o mesmo tema, o DN citava um caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões económicas.
Como é de prever, os serviços procuram na fase pré-adopção prevenir situações deste tipo, embora eles continuem a ocorrer.
Voltando ao tão apregoado "superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem? ...
Mas as crianças, Senhores?

AVÓS, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

"Avós já não substituem infantários mas têm papel fundamental na vida dos netos"

De acordo com o calendário das consciências passa hoje o Dia Mundial dos Avós.
A avozice é um mundo mágico no qual entrei há pouco tempo e ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível, o crescimento de um gaiato que tem uma geração pelo meio. Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.
Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude em cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.

A propósito, uma pequenina história com avô e neto que já aqui tinha poisado.
“Um dia destes, nas minhas deambulações desportivas, reparo que na direcção em que me deslocava, estavam duas figuras de aparente baixa estatura que, quase deitados no chão, espreitavam para o meio das pedras que ladeavam a vereda.
Quando passei por eles, a minha baixa velocidade de corrida permitiu-me captar algumas frases.
João, ela escondeu-se neste buraco, vamos ver se a topamos.
Pois foi Avô, a lagartixa fugiu para aí. És capaz de a apanhar?
Vou ver se consigo, mas é só para a vermos e depois fica aqui em casa, nas pedras.
Pois é, é só para a gente  ver e depois fica aí. Tinha umas cores mesmo fixes.
E lá ficaram a tentar apanhar a lagartixa que devia estar em pânico.

É curioso. Os velhos quando brincam com os miúdos e os miúdos quando brincam com os velhos, os avós, ficam parecidos. E felizes.”

sexta-feira, 25 de julho de 2014

OS RESULTADOS DA NOVA OPORTUNIDADE NO 4º E 6º ANO

"Apoio extra “recupera” mais de um terço dos alunos a Português, mas poucos a Matemática"

Foram conhecidos os resultados dos exames de “segunda oportunidade” no 1º e 2º ciclos a Português e Matemática destinados a alunos sem aprovação no primeiro exame ou reprovados pelos conselhos de turma.
Depois de um período suplementar de “explicações” e de acordo com o MEC, no 4º ano, em Português 38% dos alunos passou de nota negativa para positiva e em Matemática 13% subiram.
Relativamente ao ano passado os resultados subiram em Português, apenas 7% tinham passado para nota positiva e desceram em Matemática de 22% no ano passado para os 13% verificados este ano. As comparações não são fiáveis dada a variação dos níveis de dificuldade dos exames, uma questão recorrente.
Pela primeira vez os alunos do 6º ano acederam a esta nova oportunidade e os resultados demonstraram o mesmo perfil do 4º ano, 35% das crianças reprovadas passaram a positiva em Português e 5% em Matemática.
Ainda não se conhece o número final de alunos que não transitará de ano pois há que conjugar os resultados dos exames com as avaliações das escolas, mas parece razoavelmente claro que a introdução de exames finais no 4º e no 6º ano a meio de um terceiro período muito curto e a oferta de umas aulas suplementares no final do ano não serão a melhor forma de promover o sucesso, contrariando trajectos de dificuldades escolares.
Aliás, vale a pena considerar que muitos estudos, nacionais e internacionais, mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Este entendimento não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação uma tentação a que nem sempre se resiste, mas sim com a importância de discutir que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis ao longo do ciclo para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Creio que importa não esquecer o impacto que turmas sobrelotadas, metas curriculares excessivas e burocratizadas que inibem a acomodação das diferenças entre os alunos, insuficiência de apoios às dificuldades de alunos e professores durantes todos os anos do ciclo, entre outros aspectos, podem assumir nestes resultados e não constituir o melhor contexto para sustentar a evolução pretendida. Quem conhece minimamente as escolas sabe que o terceiro período dos anos finais de ciclo se transformou num período de preparação obsessiva para os exames que deixa insatisfeitos professores e alunos. Os resultados escolares no 1º e 2º ciclo, nas condições de funcionamento e características das nossas escolas, não se melhoram com uma explicação intensiva realizada no 3º período e no período suplementar de explicações por maior empenho que seja colocado pelos professores. Qualquer professor tem este entendimento embora o MEC insista pois é, obviamente, mais "em conta", por assim dizer, montar umas explicações que estruturar apoios continuados a alunos e professores ao longo do ciclo. 
Como está a ser evidente, considerando os resultados globais dos exames em todos os ciclos, é claro que, contrariamente à crença do MEC, a simples realização dos exames não melhora a qualidade dos resultados.
Aliás, numa afirmação muito elucidativa, o MEC faz questão de sublinhar “o esforço dos professores (certamente daqueles professores que de acordo com o Presidente do IAVE não são calaceiros) neste período suplementar” de apoio, que permitiu que os alunos tivessem uma segunda oportunidade e reforçassem a base a partir da qual iniciarão o próximo ano lectivo. De facto boa parte destes alunos vai iniciar o próximo ano no mesmo ano de escolaridade em estiveram este ano mas com aprendizagens bastante mais reforçadas.
Muito bem, os exames só fazem bem, até quando se chumba.

OS MILHÕES DO FUTEBOL

"Bebé quatro anos no Benfica"

"Andrés Fernández a caminho do Dragão"

Devo confessar que continuo perplexo com a facilidade e disponibilidade com que nos tempos que correm se movimentam milhões, muitos milhões, neste negócio que não se percebe muito bem como se alimenta, as assistências nos estádios estão em queda, o mercado publicitário em recessão e a economia no mesmo cenário sendo que também é conhecido o volume dos passivos da esmagadora maioria, para não dizer a totalidade, dos clubes, nacionais ou estrangeiros.
No entanto, o circo da compra e venda de jogadores e treinadores continua a envolver muitos milhões, não parou, não pára e compõe regularmente as páginas dos jornais.
Sempre que falo de futebol reafirmo a minha paixão incurável pelo jogo mas, sem demagogia, estes negócios e os valores movimentados, no contexto em que ocorrem e com os actores que envolvem, chegam a ser insultuosos quando olhamos à nossa volta.

O mundo é mesmo um lugar estranho.

OS VELHOS PROBLEMAS DAS VELHAS PRAXES.

"Inquérito à tragédia do Meco dá razão à tese de acidente"

A tragédia da praia do Meco terá conhecido, a ver vamos, o seu epílogo. Foi acidente pois a investigação não imputa qualquer responsabilidade criminal ao sobrevivente.
Esta decisão estava anunciada desde o início. Dificilmente poderia ser provado outro qualquer cenário. Funciona assim como acontece com frequência com os Códigos de Praxe e os Tribunais de Praxe, ou seja, existem mas servem para pouco.
No entanto, do meu ponto de vista, independentemente das reacções emotivas das famílias que procuram um “alvo” que lhes ajude a atenuar uma dor imensa e eterna, a questão continua nos mesmos termos, aquele grupo reuniu-se num contexto relacionado com as actividades de praxe e era constituído por gente responsável por essas actividades em vários dos cursos da Lusófona.
Daqui a pouco tempo vai iniciar-se um novo lectivo como mais uns milhares de caloiros, “bestas” como lhes chamam nas elegantes praxes académicas, pelo que vale pena ter bem presente esta tragédia e reflectir sobre este universo. Assim, retomo umas notas antigas.
“Como muitas vezes já aqui afirmei partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação séria dos comportamentos nas praxes, se elas existirem, parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda importante que os dispositivos de  regulação das praxes integrem o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas para a sua participação na vida académica que, frequentemente, não sendo "enunciadas", são, evidentemente, praticadas como toda gente que conhece o meio bem sabe. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada, seja numa posição favorável ou desfavorável. Os repetidamente referidos "Códigos de Praxe", nas suas diferentes designações, não parecem suficientes para inibir abusos dos comportamentos e as consequências negativas sobre os não aderentes às praxes.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro. Tenho assistido a cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo uma anunciada iniciativa de regulação envolvendo diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente, advém daí a minha reserva.”

quinta-feira, 24 de julho de 2014

OS MERCADOS "BONS" NÃO JOGAM GOLFE E NÃO TÊM COMPADRES

"Eu sei que a narrativa dominante atribui aos mercados o papel de monstros insensíveis, mas deixem-me citar o texto de Pedro Santos Guerreiro: “O credor estrangeiro – às vezes chamam-lhe ‘mercados’ – torna-se accionista à força e vira investidor. É a força mais poderosa que se abateu sobre a economia portuguesa. É ele que escolhe gestão profissional em vez de familiar, e que prefere sempre fluxos de caixa a qualquer outro tipo de retorno, que pode sempre pressionar o pagamento de dividendos em vez de reinvestimento.” Isto é uma revolução na economia nacional, e uma revolução patrocinada pelos malvados “mercados” – o monstro só vê dinheiro, sim, mas antes só ver dinheiro do que só ver compadres."

João Miguel Tavares, um outro espírito emergente, que substituiu o geniozinho Pedro Lomba no Público ocupando o mesmo espaço, aliás, no sentido mais abrangente do termo, perora hoje sobre a implosão do grupo BES enquadrando o comentário no ajustamento de um modelo económico com gestão provinciana e familiar com todos os vícios conhecidos que deverá ser substituído por modelos com gestão profissional e, evidentemente, com retorno assegurado porque os investidores, os mercados, assim o exigem. Pelo meio mostra-se incomodado com a diabolização dos mercados, os "malvados" para usar o seu termo concluindo pela emrgência de uma "... revolução na economia nacional, e uma uma revolução patrocinada pelos malvados "mercados" - o monstro só vê dinheiro, sim, mas antes só ver dinheiro do que só ver compadres", o pecado apontado à conjuntura provinciana, familiar e amiguista que sustenta os Espírito Santo e outros que tais.
A questão é que, do meu ponto de vista, estes espíritos emergentes esquecem um pequeno pormenor. Quando os mercados "só vêem dinheiro" torna-se evidente que a consequência é "esquecerem-se" das pessoas. O mundo inteiro tem muitos milhões de pessoas esquecidas e excluídas pelos "mercados" e ainda acontece que também os "mercados" se alimentam de muitos outros milhões que são usados como "activos descartáveis" em qualquer momento que a ideal "gestão profissional" exigida pelos mercados determine.
É interessante o aproveitamento da tenebrosa situação do grupo BES e da gestão de Ricardo Salgado and friends para vender uma ideia branqueadora dos "mercados" e da sua acção selvagem. Não entendo que as economias abertas sejam incompatíveis, por assim dizer, com as pessoas, antes pelo contrário, podem e devem sê-lo. No entanto, os últimos anos mostram como é imprescindível a regulação eficaz e oportuna da acção dos "mercados", não basta que tenham gestão "profissional", que não "joguem golfe" ou que não tenham "compadres". Os mercados não têm alma nem ética.

A ONU ESTÁ PREOCUPADA SEM RAZÃO

A ONU está preocupada mas não tem razão para isso, evidentemente. Tal como os feitores que nos administram em nome dos mercados têm vindo a afirmar e a colocar em prática, o empobrecimento é o caminho para a felicidade e que nos conduz aos amanhãs que cantam.
Quanto mais pobres mais felizes e com melhor qualidade de vida.
Aliás, como é sabido, o país está bem melhor. Os portugueses ainda não sentem muito bem a diferença mas é porque são pessoas desatentas e despreocupadas.
O empobrecimento é a fonte do bem-estar.
O futuro é risonho

A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA EM ALERTA VERMELHO

"Impugnar ou não a avaliação aos centros de investigação, eis a questão"

Desculpem a insistência mas dado que o processo ainda não está fechado, retomo a questão da avaliação das estruturas do sistema de investigação científica português. A coisa resume-se facilmente. A Fundação para a Ciência e Tecnologia contratou uma moribunda European Science Foundation para um trabalho sujo, liquidar parte significativa das estruturas de investigação existentes em Portugal.
Definiu à partida que metade das entidades deveria ser eliminada logo na primeira fase e a ESF  que fizesse o trabalho. O resultado deste tenebroso processo é conhecido, existindo inúmeros casos com avaliação que causam verdadeira perplexidade.
Nas avaliações realizadas verificou-se de tudo, critérios ambíguos e falta de transparência, avaliação de áreas científicas por avaliadores sem rosto, fora dessa área e sem peso científico, avaliações completamente contraditórias, mal fundamentadas, sobre o mesmo trabalho, ignorância sobre algumas temáticas em avaliação, desconhecimento das variáveis contextuais, etc.
O resultado pretendido pela FCT foi atingido, boa parte do tecido de investigação em Portugal foi, vai ser, destruído. Muitos Laboratórios e Centros de investigação com resultados importantes e reconhecidos terão fortemente comprometido, quando não impossibilitado, o seu trabalho. É uma irresponsabilidade delinquente.
Nada disto quer dizer, evidentemente, que a investigação não deva ser avaliada e escrutinados os apoios financeiros e que os dispositivos de avaliação não devam ser alterados para que melhor cumpram o seu importante objectivo, a promoção da qualidade e a justiça nas aplicação dos financiamentos. A questão é que esta avaliação deve ser séria e competente, com critérios claros e por avaliadores externos reconhecidos e competentes  nas áreas  que avaliam.
Também sem surpresa e na linha das apreciações do Ministro Nuno Crato, o Presidente da FCT, Miguel Seabra, afirmou que o processo foi competente e adequado, promove a excelência, o rigor ... blá, blá, blá. Trata-se do estranho entendimento de normalidade que faz escola no MEC. 
A questão é que este processo montado para eliminar muitas estruturas terá custos brutais para o Portugal.
Na verdade, está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
Este processo ameaça muito severamente, os excelentes resultados que muitos centros, laboratórios e unidades de investigação e as instituições de ensino superior têm vindo a alcançar e que atestam o esforço e a competência da comunidade científica portuguesa e o trabalho realizado no âmbito do ensino superior e investigação, traduzidos no reconhecimento internacional das nossas instituições.
A negrura crática que cai sobre a investigação vai ter consequências brutais em termos de desenvolvimento científico e económico para além, evidentemente, do impacto nas carreiras pessoais assim ameaçadas de milhares de pessoas que investigam, criam conhecimento, promovem desenvolvimento e que, provavelmente, desistem ou emigram.
E assim se destrói uma política científica que vinha a produzir  resultados positivos.
A história não os absolverá.

NÃO DESESPERE DR. SALGADO, A COISA COMPÕE-SE

"Ricardo Salgado fica em liberdade sujeito a caução de três milhões"

"Ricardo Salgado detido no âmbito da operação Monte Branco"

De vez em quando surgem uns episódios que nos pretendem mostrar que a justiça funciona e funciona para toda a gente. Investigam-se os negócios manhosos de algumas figuras mais conhecidas, a coisa dá umas manchetes, os processos arrastam-se eternamente e, quase sempre, acabam em prescrições ou em condenações que fazem sorrir e nos levam a acreditar que o crime compensa.
Coube agora ao Dr. Ricardo Salgado dar o seu contributo para este cenário. Ao que se noticia foi detido para interrogatório no âmbito da operação Monte Branco.
Eu sei Dr. Salgado, que são coisas chatas, que aparecem numa altura péssima com tantos problemas nas suas empresas e numa altura de férias. É uma pena.
Mas não se incomode e, sobretudo, não desespere, a coisa compõe-se. Depois deste episódio aborrecido da subida ao Monte Branco retomará, certamente, a sua habitual Vida Tranquila.
E o nosso pequeno mundo continuará igual. Não vamos estranhar, lamentavelmente.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

UMA HISTÓRIA DA SINISTRA PROVA

A dignidade tem nome.

Apenas um exemplo de muitos que vão sendo conhecidos.

A GUINÉ EQUATORIAL NA CPLP. Bienvenida e muy limpia

"Na declaração de Díli, Portugal força referência à abolição da pena de morte na Guiné Equatorial

Está fechada uma página negra da diplomacia portuguesa. A partir de hoje a Guiné Equatorial é membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Conclui-se um processo escandaloso. O Dr. Rui Machete, Ministro português(?) dos Negócios Estrangeiros afirmava em 2 de Março que não "existiam razões para duvidar" da palavra da Guiné Equatorial. A realidade bem conhecida e documentada desmente, obviamente, a afirmação do do Dr. Machete, vendido aos "negócios estrangeiros" no sentido literal do termo.
Como é evidente,  a não ser que seja por "honoris causa" de que se não vislumbra a razão, não se percebe muito bem como um país que tem como língua oficial o castelhano, foi uma antiga colónia de Espanha, vai administrativamente mudar a sua língua oficial e passar a falar português para integrar a CPLP. 
É ainda reconhecido o regime ditatorial, cleptocrata e corrupto que a governa, com a família governante perseguida pela justiça internacional, a miséria brutal em que vive a esmagadora maioria do seu povo, desrespeito absoluto por direitos humanos incluindo a pena de morte em vigor, etc..
Esta adesão, um "final feliz" como lhe chamou  uma figura ímpar da diplomacia portuguesa, o Secretário de Estado Campos Ferreira, constitui um favor ao regime que lhe permite branquear a sua imagem e minimizar o crescente isolamento na comunidade internacional.
É certo que a CPLP corre também o risco de se transformar em Comunidade dos Países de Língua Acordesa, mas a entrada de um país de língua castelhana ou, uma nova variante transitória, o "conhecido portunhol" é algo de estranho, no mínimo.
Não terá qualquer relação com este processo, evidentemente, o facto da Guiné Equatorial ser o terceiro maior produtor de petróleo da África subsariana.
Talvez Rui Machete quando referia que não tinha razões para duvidar do regime da Guiné Equatorial tivesse em mente as promessas de injectar dinheiro no Banif ou noutros "negócios estrangeiros" que comprem esta adesão e a tentativa de branqueamento internacional.

Uma "semvergonhice" decorrente da "realpolitik".

ASSIM COMUNICAMOS MELHOR. É BOM

"Investigadores do Porto criam ferramenta para traduzir língua gestual em aulas"

Aqui está o que pode ser uma boa notícia num tempo em que as boas notícias também têm sido vítimas da austeridade.
Uma equipa do Instituto Superior de Engenharia do Porto está a desenvolver  e já testou com resultados muito positivos uma ferramenta de tradução bilateral da Língua Gestual Portuguesa. Esta ferramenta poderá chegar em breve às salas de aula e constituir um excelente contributo para a qualidade do ensino e da aprendizagem, da inclusão social e educativa da comunidade de alunos com problemas de audição.
Um dispositivo desta natureza, eficiente e acessível, será certamente muito útil na promoção daquilo que entendo ser o verdadeiro critério de inclusão educativa ou social, a participação. De facto, qualquer melhoria nos processos de comunicação será potencialmente facilitadora da participação nas actividades da comunidade, na sala de aula, com todas as implicações positivas que daí podem advir.
Vamos esperar que avance bem e rapidamente.

CRATO DIZ QUE GANHOU, A EDUCAÇÃO PERDEU COM TODA A CERTEZA


Nuno Crato terá "ganho" a sua guerra suja pela sinistra Prova. A Educação e os Professores perderam, mas perderam mesmo. E muito.
Crato pode orgulhar-se do resultado.
Este é um retrato, entre muitos outros, ilustrativo da "vitória" de Nuno Crato sobre  uma classe de energúmenos que apenas sabem protestar. Um retrato de professores coreografado pela mestria manhosa e eticamente delinquente de Nuno Crato. A polícia à porta e no interior das escolas a "vigiar" perigosos terroristas foi outra impressiva "vitória" de Nuno Crato.
Felizmente, para todos, os professores, na sua esmagadora maioria vão continuar a fazer aquilo que sempre quiseram e sabem fazer bem, cuidar do futuro através do bem cuidar dos nosso filhos.
Apesar de Nuno Crato.
E também apesar de Nuno Crato e das suas habilidades, haverá sempre quem queira ser Professor e submeter-se à verdadeira Prova de aptidão para a função, o trabalho em sala de aula com os alunos.


"M'ESPANTO ÀS VEZES, OUTRAS M'AVERGONHO"

«Os professores têm de ser melhores a ensinar», diz ministro

Como é que se pode explicar ao Ministro Nuno Crato que esta Prova não tem rigorosamente a ver com o processo de ensino e aprendizagem?
Este conjunto de exercícios usado para avaliar a preparação de professores para leccionar é um insulto à inteligência e um desrespeito gratuito e arrogante ao que é ser professor.
Dizer que esta Prova contribui para a qualidade do ensino só pode ser humor negro ou provocação.
Recordo Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho".

terça-feira, 22 de julho de 2014

QUERO OS MANUAIS MAS NÃO QUERO OS CDs

Um dia destes na papelaria do Bairro assisti a um diálogo de que procuro reproduzir o mais fielmente possível o essencial.
Bom dia, queria encomendar os livros para a escola.
Sim senhora, é desta escola aqui?
Sim.
De que ano?
Do 8º.
Vou tomar nota. Quer os livros todos?
Sim, parece que são precisos todos, é muito dinheiro. Mas não quero os CDs.
Não quer os CDs?
Não, não servem para nada, só para gastar dinheiro. O ano passado comprei os CDs e a minha filha disse que não foram usados. Este ano não os compro.
...
Nesta altura está decorrer este período de "encomenda" dos manuais e os pais sentem o peso temendo que representam.
Continuo a pensar que esta questão merecia ser repensada como várias vezes tenho referido. Do meu ponto de vista, verifica-se um excesso de "manualização", do trabalho dos alunos, potenciado com o aumento do número de alunos por turma e o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e dos materiais de apoios que lhes vem associado, cadernos de exercícios e fichas, cadernos de actividades, materiais de exploração, CDs, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares e do estabelecimento de forma desastrada das metas curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização”ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Do meu ponto de vista, a minimização da dependência dos manuais passaria, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula única instalada, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
Como já tenho afirmado, penso que seria de considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização, ficando as famílias com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por exemplo, sendo penalizadas pelo seu eventual dano ou extravio. Como é evidente, dentro desta perspectiva, a própria concepção dos manuais deveria ser repensada no sentido de permitir a sua reutilização.

Não esqueço, no entanto, o peso económico deste mercado e como são os mercados que mandam ...

PRENDER NÃO BASTA

"Directores de cadeias que não reduzam número de reclusos reincidentes serão afastados"

No Público surge a referência que me parece de registar à intenção da Direcção-geral da Reinserção de Serviços Prisionais de promover reformas no sistema prisional que minimizem o risco de reincidência que se situa em cerca de metade da população prisional. Ao problema da reincidência acresce a sobrelotação da maioria dos estabelecimentos prisionais.
Para além desta opção, combate sério à reincidência através de programas com recursos e objectivos adequados, julgo que deve continuar-se, sempre que possível,  a recorrer ao trabalho comunitário em substituição de multas ou de penas de prisão para determinado tipo de crimes.
Parece também de continuar a promover, na situações adequadas e controladas, evidentemente. o recurso à pulseira electrónica cuja baixa taxa de incumprimento, 5.9% aconselha a utilização. Acresce que a utilização destes dispositivos alivia a pressão sobre os estabelecimentos prisionais que se encontram em sobrelotação, bem como tem impacto nos custos, a prisão tem um custo diário de perto de 50€,  face aos 16.35 € da prisão domiciliária. Aliás, em termos comparativos, temos uma das mais altas taxas europeias de prisão preventiva com custos fortíssimos.
Mais importante ainda, dada a natureza flexível das restrições impostas com estes procedimentos, e mesmo em alguns casos de uso da pulseira electrónica, a pessoa pode sair para trabalhar ou assistir a aulas, por exemplo, os processos de reinserção são, naturalmente incentivados e mais eficazes.
Parece-me muito positivo este caminho, alternativo à prisão clássica, por assim dizer, que de há muito defendo sobretudo em situações que envolvam gente mais nova e conjugado com a obrigação de frequência de programas de formação escolar ou profissional. Complementarmente, no âmbito do cumprimento de penas de prisão efectiva torna-se então necessária a promoção de programas e dispositivos de apoio, com o envolvimento das comunidades que minimizem significativamente o risco de reincidência.
Existe, no entanto, um discurso e um pensamento mais conservadores sustentados numa visão securitária que continuam a fazer-se ouvir defendendo a prisão como a medida mais correcta o que, comprovadamente, se reconhece não se verificar em muitíssimos casos. Como é reconhecido, 50% de taxa de reincidência, os estudos e a realidade mostram com clareza que as medidas de restrição de liberdade quando não acompanhadas por outro tipo de intervenção não a minimizam significativamente, nomeadamente em gente mais nova. Também se reconhece que frequentemente o universo prisional é uma "escola" e um factor de risco de agravamento de comportamentos de delinquência o que potencia a reincidência.. 
Como é óbvio tal entendimento não significa que nas situações de maior gravidade no crime cometido ou de risco de continuidade da actividade criminosa não seja de recorrer a medidas mais restritivas. De qualquer forma e sobretudo com gente mais nova a prisão dever ser de natureza excepcional e, desejavelmente, de curta duração.
Os comportamentos delinquentes são no fundo um desrespeito e agressão aos valores da comunidade pelo que parece lógico que em consequência desses comportamentos o seu autor seja colocado a desenvolver actividades que sirvam e “reparem” a comunidade “ofendida” e que, simultaneamente, forneçam sistemas de valores que possam influenciar e reabilitar os valores dos indivíduos envolvidos.
No entanto, apesar deste caminho de alteração na forma como a jusante lidamos com os comportamentos delinquentes de jovens e adultos, é fundamental que percebamos o que a montante contribui para a emergência desses comportamentos, ou seja, as causas. E também nesta matéria me parece de privilegiar intervenções de natureza comunitária.

Não há outro caminho.