Entrou hoje em vigor a legislação de suporte ao
programa de rescisões amigáveis na administração pública que decorrerá entre 1
de Setembro e 30 de Novembro e que irá despedir de forma amigável, já se vê,
uns milhares de pessoas.
Como já uma vez aqui escrevi, confesso que o
léxico que nos últimos anos entrou em uso no universo das relações de trabalho me
embaraça. Vejamos alguns exemplos.
Fala-se de excedentários com que importa acabar
como se não estivéssemos a falar de pessoas. Na verdade, esta gente acha que as
pessoas são excedentárias, são descartáveis, há que libertar os mercados do
peso desta gente inútil.
Um outro termo é o trabalho precário, flexível
como essa gente gosta de afirmar, que torna precária uma vida sem confiança no
amanhã e, portanto, sem projecto de vida. Relembro que temos a segunda mais
alta taxa de precariedade da Europa.
Também me parece curiosa a ideia hoje reafirmada
de rescisão por mútuo acordo ou amigável que, amigavelmente é claro, manda
milhares para o desemprego. Como é sabido boa parte das rescisões
"amigáveis" são estabelecidas, impostas, sem margem negocial a
pessoas altamente fragilizadas e vulneráveis que entre o nada e a migalha
"escolhem amigavelmente" a migalha".
No fundo, as pessoas deixam de ser pessoas, são
activos, recursos, que como tal devem ser geridos em função do mercado,
adquirem-se, dispensam-se, descartam-se, gerem-se e, finalmente, abandonam-se.
Veja-se o que tem acontecido a muitos milhares de pessoas que têm sido mandadas
para o desemprego, mais de metade das quais sem subsídio.
Também entrou no nosso quotidiano a referência à
"mobilidade especial", outra "oportunidade" a que querem
despudoradamente chamar de “requalificação” e na verdade significa mover para a
rua, para o desemprego.
Afirmo com frequência que uma das consequências
menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo da precariedade e do
desemprego, em particular o de longa duração, situação em que o tempo pode
obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas, algo
de devastador.
Todo este quadro, que alguns referem como uma
“bomba social”, levanta uma terrível e angustiante questão, os milhares,
muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
A legislação ontem publicada dirige-se ao alvo do
costume, funcionários da administração que a par de pensionistas e reformados confirmam
a incapacidade do Governo de considerar qualquer outra via que não seja cumprir
fielmente a cartilha de quem verdadeiramente nos governa, a troika em nome dos
mercados e que, como é óbvio, pensa “que se lixem as pessoas”.
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