terça-feira, 23 de julho de 2013

CRÓNICA DA REMODELAÇÃO ANUNCIADA

Escreveu-se finalmente o capítulo final, por agora bem entendido, estamos em Portugal, da crónica da remodelação anunciada. A irrevogável decisão de Paulo Portas foi compensada, tudo tem um preço, sobe a Vice-Primeiro-ministro, ganha o Ministério do Álvaro que passa para as mãos do António e o Pedro ganha novas competências embora parte das competências da Assunção deslizem para as mãos do Jorge. Para substituir o Paulo nos Negócios Estrangeiros entrou o Rui que, prudentemente, guardou na gaveta a sua ligação com os portuguessíssimos negócios da SLN/BPN.
Estas narrativas sobre remodelações, desculpem lá, mas quando se fala destas matérias deve-se utilizar o termo narrativas, relativas a remodelações deixam-se habitualmente uma sensação de perplexidade e estranheza embora não me queira intrometer no novo ofício de politólogo.
Sempre que os Governos, independentemente da sua natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por um lado às opções políticas assumidas e por outro lado à incessante luta entre quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre remodelação, numa espécie de relação mágica, se as mudarem mudarem a realidade também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são habitualmente pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o essencial.
Os tempos que temos vivido não fogem a este processo. Desde há muitos meses que se ouvem insistentemente vozes, mesmo de entre os partidos integrantes da coligação, que reclamam pela remodelação com a curiosidade semântica de alguns lhe chamarem "refrescamento", o que não deixa de ser interessante.
No entanto, creio que os últimos tempos nos obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação. A questão de fundo não é a composição o Governo, é a mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe qualquer outro rumo que não o por si traçado. Atente-se nos discursos produzidos em torno da tentativa patética de estabelecer um "compromisso de salvação nacional" que todos sabiam impossível.
No início do seu mandato o Governo, dadas as circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos, desiguais, massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e reformas, o consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora rendimentos muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e sucessivas excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento, ao Governo não basta remodelar, refrescar caras e ideias, ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas obras será o fim, ou melhor, o princípio do fim. Trata-se de um mero jogo de poder dentro da coligação de que Portas foi o guionista.
Existem alternativas, sabemos todos que existem alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo, considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se pense em mudanças significativas no seu trajecto.
Continuarão, muito provavelmente, as políticas tóxicas, ou seja, retomando um velho enunciado político, trata-se da evolução na continuidade.
Uma referência final à coesão e estabilidade do Governo agora remodelado, características essas que serão certamente irrevogáveis até à próxima crise. 

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