Ainda no rescaldo da tentativa gorada de
estabelecimento de um compromisso de salvação nacional por imposição do
Presidente da República, Passos Coelho insiste na retórica do consenso
recuperando uma ideia que acorda memórias pouco simpáticas, a de um "clima de união
nacional”.
Tal como aconteceu com a iniciativa imposta por
Cavaco Silva, também esta insistência na convergência, num “clima de união
nacional” está condenada ao fracasso e toda a gente creio, tem disso
consciência, incluindo Passos Coelho.
Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece
acreditar nos discursos que produz, a realidade não é a projecção dos nossos
desejos e todos sabemos que na cultura e na praxis política que temos,
“consenso” ou variantes como “pacto de regime”, “desígnio”, “grande projecto”, “convergência”
ou agora “união nacional”, etc., fazem parte do núcleo duro da retórica
política e constituem referências obviamente inconsequentes. Veja a este
propósito a posições de figuras significativas de diferentes quadrantes
políticos.
A partidocracia instalada leva a que, na
generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos
interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes
estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e
clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o
interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as
lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que
os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz
ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente
animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da
partidocracia tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal
entendimento alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como
plausível, é definição de uma cenário de mudança com base numa
"negociação" mais ou menos discreta e não ameaçada pela alternância
de governo entre os chamados partidos do arco do poder pois, em substância, a
questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo
"entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois
acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos
que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento
ou do consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a
funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes
que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria. Aliás
e curiosamente, já se fala em possíveis "entendimentos" entre PS e
CDS-PP num cenário de governação pós-Passos Coelho.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância
aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem
os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e,
naturalmente, sem consequências substantivas.
Como referi num texto anterior, a manutenção da
actual solução governativa é justificada com a ideia de uma imprescindível
estabilidade política. Como é óbvio, não creio que exista alguém que sustente a
instabilidade política como um bem. Mas a questão central, do meu ponto de
vista, é que a estabilidade assenta em políticas sólidas, claras e
transparentes, sérias e credíveis, com visão, viradas para as pessoas. Estas
características, entre outras é que dão estabilidade, segurança, confiança, às
pessoas.
Por outro lado, a estabilidade não é a manutenção
de pessoas e de políticas que têm falhado, nacional e internacionalmente, como
alguns dos autores principais reconhecem e os resultados conhecidos atestam,
não é a falha sucessiva de previsões e objectivos, não é um permanente jogo de
interesses e de gestão dos poderes pessoais e partidários. A estabilidade não
pode assentar na pobreza, exclusão e desemprego crescentes. A estabilidade não
se alimenta da desesperança que nos invade. Tudo isto é que verdadeiramente
constitui a instabilidade.
Assim, paradoxalmente, em nome da estabilidade
prolonga-se e sustenta-se a instabilidade acreditando num salvífico compromisso,
convergência ou “clima de união nacional” que parece impossível.
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