A violência doméstica é uma das matérias que
solicita permanente reflexão pelo que mais uma vez aqui trago umas notas, a
propósito de mais duas vítimas mortais referidas na imprensa a par de situações com consequência menos graves.
Relembro que no âmbito do período experimental de
um novo modelo de avaliação de risco desenvolvido por uma equipa da
Direcção-geral da Administração Interna, entre 15 de Novembro e 31 de Dezembro
passado registaram-se nos distritos de Lisboa e Porto mais de 800 denúncias à
PSP e à GNR de casos de violência doméstica.
Tal volume de ocorrências e ainda o facto
conhecido de que nem todos os episódios são denunciados obriga, de facto, a
medidas proactivas de combate a este tipo de situações.
Recordo ainda que no âmbito do Dia Internacional
para a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra as Mulheres em
Novembro, se sublinhava os efeitos que os episódios de violência doméstica
podem ter nos filhos, pois cerca de 41.5% das situações reportadas ocorrem na
presença dos miúdos, com consequências negativas óbvias e que apenas acentuam a
necessidade de se minimizar ou eliminar este tipo de ocorrências.
Deste universo releva um número de situações
muito significativo que muitas vezes não é reportado, pois alguns estudos
mostram a desconfiança que as vítimas sentem sobre a eficácia a justiça.
Na verdade, os últimos números que conheço, 2011,
referem que do total de inquéritos instaurados, 83 % acabam arquivados, apenas
15 % chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando
se verificam condenações a maioria, 82 %, é com pena suspensa, veja-se que de
58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no
primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento
condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
Por diferentes ordens de razões e embora a
realidade se vá modificando lentamente, refira-se o aumento de denúncias por
parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à
tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só,
provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema
de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das
vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com
alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente
doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que,
aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o
agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o
sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou
“tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou
a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de
avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento e, naturalmente,
um sistema de justiça eficaz e célere.
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