Os últimos tempos foram particularmente
elucidativos da deriva que se apoderou da equipa do MEC. O indecoroso
espectáculo que tem sido o processo de definição do corpo docente das escolas e agrupamentos,
é um exemplo absolutamente deplorável.
Em síntese, o Ministro Nuno Crato afirmou há
semanas na AR que não estava em condições de quantificar mas que haveria
professores sem lugar no sistema. Depois, pediu aos directores de escola e
agrupamentos, num tempo em que era manifestamente possível satisfazer tal
pedido, a indicação de necessidades, traduzidas na dispensa de docentes
contratados e na passagem de milhares de professores para horários zero.
Acresce que este pedido era acompanhado de uma ameaça de responsabilização dos
directores pelo que estes, numa estratégia defensiva, "aumentam" o
número de "descartáveis". No entanto, os descartáveis não estavam
ainda descartados, poderiam ser repescados para as necessidades transitórias
das escolas. Este processo produziu nas escolas um clima de dramatismo,
indignação e revolta como de há muito não se percebia. Gente com muitos anos de
serviço, efectivos ou contratados, viam de um momento para o outro o mundo
fugir debaixo dos seus pés.
Em nova chamada à AR, o Ministro e o Secretário
de Estado, provavelmente assustados com a reacção indignada de muita gente ou,
simplesmente porque resolveram pensar, afirmam que afinal nenhum professor com
horário zero vai ser dispensado e que, vejam lá, haverá professores contratados
que continuarão, "todos fazem falta", disseram numa pérola de
demagogia e hipocrisia. Toda esta gente vai ter um lugar no sistema.
Inicia-se em seguida um processo caótico,
turbulento e incompetente de “manifestação de preferências”, outra pérola de
fino recorte literário e cientifico em que, creio, a preferência mais óbvia era
apenas … trabalho.
Nos últimos dias, com a poeira a assentar, percebe-se,
como seria de esperar, que nas actuais circunstâncias, dificilmente todos os “zeros”,
expressão que deveria envergonhar um Ministro, terão lugar, apesar das
promessas ministeriais e muitos dos contratados serão colocados no desemprego.
Pode ainda acontecer que, tal como nos tempos
antigos do Meu Alentejo, no largo da vila, os moirais, os feitores, possam
ainda escolher alguns "activos" que façam falta em alguma herdade
para mais umas jornadas sazonais, os outros ficarão, no largo, à espera, sem
trabalho e com a vida adiada.
No mundo da educação pública e no que respeita
aos recursos humanos não estamos a falar de uma empresa de serviços ou da
indústria que por má gestão ou mudanças no mercado deixa de ser viável e cujo
desempenho deixa de ser necessário pelo que os seus activos são descartáveis.
Todas as grandes decisões políticas do MEC em termos
de organização do sistema, têm como visão reduzir o número de docentes, veja-se,
por exemplo, o que foi feito em matéria de revisão curricular, no aumento de
alunos por turma e nos agrupamentos e mega-agrupamentos. Este conjunto de medidas, além de outras, sairão, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará em vencimentos dos professores que enviará para o desemprego, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas porque é preciso cortar, custe o que custar.
Todo este universo constitui, do meu ponto de
vista uma séria ameaça à escola pública em Portugal, talvez a mais séria das
últimas décadas, curiosa e perigosamente disfarçada de rigor, exigência e
qualidade, estas referências vendem sempre bem, mas na verdade, olhando para as
decisões, são produtos contrafeitos, falsos.
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