sexta-feira, 3 de agosto de 2012

SÃO DESCARTÁVEIS MAS NÃO RECICLÁVEIS

Os últimos tempos foram particularmente elucidativos da deriva que se apoderou da equipa do MEC. O indecoroso espectáculo que tem sido o processo de definição do corpo docente das escolas e agrupamentos, é um exemplo absolutamente deplorável.
Em síntese, o Ministro Nuno Crato afirmou há semanas na AR que não estava em condições de quantificar mas que haveria professores sem lugar no sistema. Depois, pediu aos directores de escola e agrupamentos, num tempo em que era manifestamente possível satisfazer tal pedido, a indicação de necessidades, traduzidas na dispensa de docentes contratados e na passagem de milhares de professores para horários zero. Acresce que este pedido era acompanhado de uma ameaça de responsabilização dos directores pelo que estes, numa estratégia defensiva, "aumentam" o número de "descartáveis". No entanto, os descartáveis não estavam ainda descartados, poderiam ser repescados para as necessidades transitórias das escolas. Este processo produziu nas escolas um clima de dramatismo, indignação e revolta como de há muito não se percebia. Gente com muitos anos de serviço, efectivos ou contratados, viam de um momento para o outro o mundo fugir debaixo dos seus pés.
Em nova chamada à AR, o Ministro e o Secretário de Estado, provavelmente assustados com a reacção indignada de muita gente ou, simplesmente porque resolveram pensar, afirmam que afinal nenhum professor com horário zero vai ser dispensado e que, vejam lá, haverá professores contratados que continuarão, "todos fazem falta", disseram numa pérola de demagogia e hipocrisia. Toda esta gente vai ter um lugar no sistema.
Inicia-se em seguida um processo caótico, turbulento e incompetente de “manifestação de preferências”, outra pérola de fino recorte literário e cientifico em que, creio, a preferência mais óbvia era apenas … trabalho.
Nos últimos dias, com a poeira a assentar, percebe-se, como seria de esperar, que nas actuais circunstâncias, dificilmente todos os “zeros”, expressão que deveria envergonhar um Ministro, terão lugar, apesar das promessas ministeriais e muitos dos contratados serão colocados no desemprego.
Pode ainda acontecer que, tal como nos tempos antigos do Meu Alentejo, no largo da vila, os moirais, os feitores, possam ainda escolher alguns "activos" que façam falta em alguma herdade para mais umas jornadas sazonais, os outros ficarão, no largo, à espera, sem trabalho e com a vida adiada.
No mundo da educação pública e no que respeita aos recursos humanos não estamos a falar de uma empresa de serviços ou da indústria que por má gestão ou mudanças no mercado deixa de ser viável e cujo desempenho deixa de ser necessário pelo que os seus activos são descartáveis.
Todas as grandes decisões políticas do MEC em termos de organização do sistema, têm como visão reduzir o número de docentes, veja-se, por exemplo, o que foi feito em matéria de revisão curricular, no aumento de alunos por turma e nos agrupamentos e mega-agrupamentos. Este conjunto de medidas, além de outras, sairão, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará em vencimentos dos professores que enviará para o desemprego, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas porque é preciso cortar, custe o que custar.
Todo este universo constitui, do meu ponto de vista uma séria ameaça à escola pública em Portugal, talvez a mais séria das últimas décadas, curiosa e perigosamente disfarçada de rigor, exigência e qualidade, estas referências vendem sempre bem, mas na verdade, olhando para as decisões, são produtos contrafeitos, falsos.

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