Conforme já tinha sido anunciado e hoje se lê no
DN, o MEC vai avançar com a criação do ensino vocacional, aprendizagem de profissões
concretas, cozinheiro, talhante, mecânico, electricista, canalizador, produtor
agrícola, obrigatório para o ensino
básico. O projecto terá como linhas de força; no final do 6º ano os alunos
podem escolher entre a via vocacional ou a via regular (reparem que só uma é
"regular", a outra é "especial"), a frequência da via
vocacional é obrigatória para qualquer aluno que chumbe duas vezes no mesmo ano
no 1º ou 2º ciclos e para quem chumbe três anos interpolados, as famílias ou
qualquer aluno podem escolher esta via e no final do 9º ou do 12º os alunos
podem, fazendo os respectivos exames, retornar ao ensino "regular"
uma vez que manterão na via vocacional o mesmo currículo em Português,
Matemática e Inglês, curiosamente as disciplinas com mais "chumbos".
O DN solicitou-me um pequeno depoimento sobre
este Projecto que aqui retomo.
Em primeiro lugar quero deixar claro, tenho-o
escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a
diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente
central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de
qualificação, única forma de combater a exclusão.
A questão que considero fortemente discutível num
plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação ao 6º ano e nos termos
propostos pelo MEC, obrigatória para os que chumbam. Poucos sistemas educativos
assumem este entendimento.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo,
de gente com capacidades "normais" irão obrigatoriamente para o
ensino vocacional. Voltamos ao meu tempo, não tens jeito para escola vais para
o campo, não tens jeito para os trabalhos "intelectuais" vais para os
trabalhos "manuais", "vocacionais" como lhe chama o MEC. Sabe-se
que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas
embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem,
os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual,
os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual. Assim é que
está certo.
Por outro lado, afirmar que um aluno no 6º ano
"opta" é um disparate, uma criança de 12 ou 13 anos, não
"opta", como sabem se forem sérios. Aliás, nem a lei nem a sua
maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu encarregado de
educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola poderá sempre "optar"
por ele, canalizando os que "atrapalham" os bons alunos para o ensino
vocacional.
O MEC diz que os pais devem autorizar ou eles
próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece os nossos
territórios educativos sabe bem da margem de negociação e do nível de
envolvimento dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que
esta "autorização" é uma questão burocrática. Seja sério Professor
Nuno Crato.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao
ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. O desvario
ignorante, demagógico e mal intencionado continua. Qualquer pessoa que conheça
o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno que tenha frequentado
uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo que tendo o mesmo
currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a exame nacional do 9º
ou do 12º e ser bem sucedido é residual,
mais uma vez haverá excepções, mas serão isso mesmo.
Sejamos sérios, a esmagadora maioria destes
miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos 12 anos
para a via vocacional.
Pena terem acabado os tempos do meu sogro e do
mestre Marrafa que, como milhares de outros, começaram a trabalhar aos dez
anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o
trabalho "prático".
As reacções a esta proposta como se pode verificar
na peça do DN são cautelosas, remetendo para o carácter experimental do
projecto e alertando, algumas, para riscos de discriminação. No entanto, em
termos mais alargados, não me espantará se merecer a adesão de alguns,
professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros os seus filhos
mais afastados dessa escumalha que só serve para trabalhos manuais
"práticos", "vocacionais". É claro que se a medida tocar
aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da
escola, porque sabem, todos sabemos, que aos doze anos os miúdos devem aprender
o que TODOS aprendem, da forma que conseguem aprender e com os recursos
adequados, aqui sim, deveria residir a verdadeira aposta.
A diferenciação dos percursos, necessária e
imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria
dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.
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