quarta-feira, 29 de agosto de 2012

NÃO TENS JEITO PARA ESCOLA, VAIS PARA O CAMPO

Conforme já tinha sido anunciado e hoje se lê no DN, o MEC vai avançar com a criação do ensino vocacional, aprendizagem de profissões concretas, cozinheiro, talhante, mecânico, electricista, canalizador, produtor agrícola,  obrigatório para o ensino básico. O projecto terá como linhas de força; no final do 6º ano os alunos podem escolher entre a via vocacional ou a via regular (reparem que só uma é "regular", a outra é "especial"), a frequência da via vocacional é obrigatória para qualquer aluno que chumbe duas vezes no mesmo ano no 1º ou 2º ciclos e para quem chumbe três anos interpolados, as famílias ou qualquer aluno podem escolher esta via e no final do 9º ou do 12º os alunos podem, fazendo os respectivos exames, retornar ao ensino "regular" uma vez que manterão na via vocacional o mesmo currículo em Português, Matemática e Inglês, curiosamente as disciplinas com mais "chumbos".
O DN solicitou-me um pequeno depoimento sobre este Projecto que aqui retomo.
Em primeiro lugar quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão.
A questão que considero fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação ao 6º ano e nos termos propostos pelo MEC, obrigatória para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este entendimento.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão obrigatoriamente para o ensino vocacional. Voltamos ao meu tempo, não tens jeito para escola vais para o campo, não tens jeito para os trabalhos "intelectuais" vais para os trabalhos "manuais", "vocacionais" como lhe chama o MEC. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual. Assim é que está certo.
Por outro lado, afirmar que um aluno no 6º ano "opta" é um disparate, uma criança de 12 ou 13 anos, não "opta", como sabem se forem sérios. Aliás, nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu encarregado de educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola poderá sempre "optar" por ele, canalizando os que "atrapalham" os bons alunos para o ensino vocacional.
O MEC diz que os pais devem autorizar ou eles próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece os nossos territórios educativos sabe bem da margem de negociação e do nível de envolvimento dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que esta "autorização" é uma questão burocrática. Seja sério Professor Nuno Crato.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. O desvario ignorante, demagógico e mal intencionado continua. Qualquer pessoa que conheça o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno que tenha frequentado uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo que tendo o mesmo currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a exame nacional do 9º  ou do 12º e ser bem sucedido é residual, mais uma vez haverá excepções, mas serão isso mesmo.
Sejamos sérios, a esmagadora maioria destes miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos 12 anos para a via vocacional.
Pena terem acabado os tempos do meu sogro e do mestre Marrafa que, como milhares de outros, começaram a trabalhar aos dez anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o trabalho "prático".
As reacções a esta proposta como se pode verificar na peça do DN são cautelosas, remetendo para o carácter experimental do projecto e alertando, algumas, para riscos de discriminação. No entanto, em termos mais alargados, não me espantará se merecer a adesão de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros os seus filhos mais afastados dessa escumalha que só serve para trabalhos manuais "práticos", "vocacionais". É claro que se a medida tocar aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da escola, porque sabem, todos sabemos, que aos doze anos os miúdos devem aprender o que TODOS aprendem, da forma que conseguem aprender e com os recursos adequados, aqui sim, deveria residir a verdadeira aposta.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.

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