Uma nota ainda emergente da Ilha das Flores. Por
aqui reencontrei um uso que ainda se vai mantendo no Meu Alentejo e,
eventualmente, noutras paragens, mas que na verdade se vai tornando cada vez
mais raro, Refiro-me ao “dar a salvação”, ou seja, cumprimentar as pessoas
quando nos cruzamos com elas, mesmo se desconhecidas.
Um dos muitos enunciados que a língua portuguesa
tem e que me encantam é justamente este, “dar a salvação”. Desde miúdo que ouvia à
minha avó esta expressão e a recomendação de que sempre que se entra em
algum lado ou se passa por alguém, conhecido ou não, se deve dar a salvação.
Este comportamento perdeu-se quase completamente, ninguém se cumprimenta ao
cruzar-se na rua, excepto se for conhecido, naturalmente, e quando se entra num
qualquer local, um café, por exemplo, e se solta um bom dia, a maioria das
pessoas não liga e alguns olham-nos como alienígenas.
Felizmente, descobri que aqui nas Flores ainda
muita gente, velhos e não só, o que é de registar, dá a salvação na rua. Só
falta, devido aos hábitos diferentes, que tal como no Meu Alentejo, alguns dos
homens mais velhos levem ainda a mão ao chapéu num gesto de uma elegância e
lindeza de registar.
E também se mantém para a maioria das pessoas o
hábito de um cumprimento global ao entrar num espaço público, é uma forma de
acolhimento.
Dirão que nada disto parece relevante e,
provavelmente, não o será. Mas cumprimentar alguém com que nos cruzamos tem a
enorme consequência de que esse alguém é olhado e interpelado, deixou de ser
transparente, tornou-se visível, vivo. Num mundo em que as relações
interpessoais são cada vez mais em suporte virtual e em que as pessoas estão
mais sós, mas com uma “rede social imensa” envolvendo milhares de “amigos”, não é
questão de somenos.
Finalmente, esta ideia de poder receber de
alguém, ou poder oferecer a alguém a salvação é, no mínimo, reconfortante. Mais
do que nunca, considerando os tempos que vão correndo.
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