domingo, 19 de agosto de 2012

MORRER DEVAGARINHO

O Público, ao longo da última semana, tem vindo a apresentar um conjunto de trabalhos muito interessante sobre várias dimensões da parentalidade. Comentei aqui a situação de pais com crianças com deficiência e hoje deixo umas notas a propósito da trágica situação de pais a quem morre algum filho.
Como transparece no caso que ilustra a peça, a morte de um filho é uma experiência absolutamente devastadora numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura", é de uma violência inimaginável.
Neste espaço, não existe muito a dizer, a não ser a expressão da solidariedade e o reconhecimento a quem desenvolve dispositivos de apoio a pessoas envolvidas em processos desta natureza, e que com a força interior e resiliência dos pais envolvidos, ajuda a reconstruir uma relação tão saudável e positiva com a vida quanto possível.
No entanto e neste contexto, gostava de chamar a atenção, pedindo desculpa pela forma como o vou fazer, para a situação de crianças que vão “morrendo” devagarinho, algumas vezes, à nossa beira e que por desatenção e menos carga dramática, passam mais discretamente.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à junto de pais e professores, para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Vão sendo abandonadas, vão definhando, “morrendo”.
Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, “morrem”, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, sós, ou junto a outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações, por estes ninguém chora.
E eles perdem-se de vez, “morrem” de morte morrida.

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