Ao que parece vai voltar ao
Parlamento a discussão sobre a adopção de criança por parte de casais
homossexuais. Trata-se de uma questão que regularmente entra na agenda. Aliás
aborda-se hoje no Público apresentando também uma peça sobre dois casais de duas mães e de dois pais que partilham a sua experiência.
Dada a relevância deste universo,
retomo notas já por aqui deixadas e fá-lo-ei enquanto for uma questão por
resolver, não será fácil, é um bom exemplo do tipo de temas que estarão
permanentemente em aberto na medida em que mais do que considerações de
natureza científica envolvem valores.
De facto, para além dos discursos
anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais,
mais ou menos ignorantes ou conhecedores, mais ou menos sofisticados e
assentes, de forma aparente ou efectiva, em ciência, ficarão sempre os valores
e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo contrário, parece-me normal e
legítimo mas importa assumir que se trata de valores e não de ciência.
Aliás, há algum tempo atrás numa
peça do I sobre o mesmo tema eram referidas as opiniões de Mário Cordeiro e
Rita Jonet tornando-se bastante claro o que é um discurso que parte do
bem-estar dos miúdos e das pessoas e do que se sabe sobre isso e outro discurso
que assenta em convicções, “acho que” e “duvida dos estudos”, é legítimo mas
não é ciência.
Se estão recordados, também há
algum tempo a Ordem dos Advogados, era Marinho Pinto o bastonário, divulgou um
parecer contra a proposta de permitir a co-adopção e adopção fundamentando na ideia de
"família natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que
numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe,
ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma
família "não natural" que, eventualmente, colocará a criança em
risco. É fraco o argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns
advogados pouco confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem.
Um artigo do de Marinho Pinto posteriormente divulgado no JN tornou-se uma peça
antológica no que respeita a preconceito e desinformação.
Também há já bastante tempo foi
referenciado por alguma imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos que entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem por não ter permitido a adopção co-parental a um casal
homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou Portugal como um dos países com o
mesmo entendimento que a Áustria.
Parece-me de referir que o
Tribunal Europeu considerou que o Governo austríaco não apresentou provas
sólidas de que seria “prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal
homossexual ou ter legalmente duas mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o
argumentário contra a adopção e que se organiza em torno de três grandes
ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua
orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de
comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por
exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado numa
conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de
algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela
Associação Americana de Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em
2004, que não confirma nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em
alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura.
Parece ainda de registar que em
2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as
iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar
crianças".
Também em 2014 a Ordem dos
Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das investigações
psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de casais
homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da
orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências
parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra
revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não
afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais,
que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade
psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando
situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos
de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos
faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas, pelo contrário, combater
a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma
forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a
certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do
tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de
quem delas cuida, pais, mães ou educadores.
Quando as crianças são bem
tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a
crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão
dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não
conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não
podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de
males que estão por provar.
Parece bem mais importante
defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos
olhos.
Como disse este texto não é
novo, já o divulguei mesmo como artigo de opinião no Público. Enquanto for
necessário e porque não julgo que mereça alteração, voltarei, insistindo.
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