domingo, 15 de novembro de 2015

DUAS MÃES, DOIS PAIS. DE NOVO

Ao que parece vai voltar ao Parlamento a discussão sobre a adopção de criança por parte de casais homossexuais. Trata-se de uma questão que regularmente entra na agenda. Aliás aborda-se hoje no Público apresentando também uma peça sobre dois casais de duas mães e de dois pais que partilham a sua experiência.
Dada a relevância deste universo, retomo notas já por aqui deixadas e fá-lo-ei enquanto for uma questão por resolver, não será fácil, é um bom exemplo do tipo de temas que estarão permanentemente em aberto na medida em que mais do que considerações de natureza científica envolvem valores.
De facto, para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes ou conhecedores, mais ou menos sofisticados e assentes, de forma aparente ou efectiva, em ciência, ficarão sempre os valores e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo contrário, parece-me normal e legítimo mas importa assumir que se trata de valores e não de ciência.
Aliás, há algum tempo atrás numa peça do I sobre o mesmo tema eram referidas as opiniões de Mário Cordeiro e Rita Jonet tornando-se bastante claro o que é um discurso que parte do bem-estar dos miúdos e das pessoas e do que se sabe sobre isso e outro discurso que assenta em convicções, “acho que” e “duvida dos estudos”, é legítimo mas não é ciência.
Se estão recordados, também há algum tempo a Ordem dos Advogados, era Marinho Pinto o bastonário, divulgou um parecer contra a proposta de permitir a co-adopção  e adopção fundamentando na ideia de "família natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns advogados pouco confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem. Um artigo do de Marinho Pinto posteriormente divulgado no JN tornou-se uma peça antológica no que respeita a preconceito e desinformação.
Também há já bastante tempo foi referenciado por alguma imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado numa conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura.
Parece ainda de registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças".
Também em 2014 a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas, pelo contrário, combater a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou educadores.
Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.
Como disse este texto não é novo, já o divulguei mesmo como artigo de opinião no Público. Enquanto for necessário e porque não julgo que mereça alteração, voltarei, insistindo.

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