O calendário da consciência
determina para hoje o Dia Europeu sobre a Protecção de Crianças contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual. Assim sendo, algumas notas.
Creio ser consensual o
entendimento de que a "explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma
luz mais forte sobre este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças,
pelo que a comunidade parece ter ficado mais atenta o que tem sido, aliás,
salientado pelo Juiz-conselheiro Armando Leandro, presidente da Comissão
Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. A prova desta maior
atenção pode encontrar-se no facto de desde o início do processo em 2002 ter subido exponencialmente o volume de denúncias. No entanto, quem conhece este tipo de problemáticas sabe que o volume de denúncias é apenas
uma parte das situações de abuso.
Continua com uma regularidade
impressionante a revelação casos de abusos sexuais sobre crianças e
adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou
conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as
menores como é o caso mais recente de instituições de natureza religiosa ou
estruturas que lidam com crianças.
Esta circunstância decorre de um
aspecto que me parece fundamental não esquecer, nunca e que os dados agora
divulgados sublinham de forma muito nítida. A maioria dos abusos sexuais sobre
crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em
instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão
tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem,
evidentemente, a acontecer com tem sido divulgado. Entre 70 a 80% das situações
de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia.
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em
situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a
culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o
facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade
eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez
que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam
confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo se
passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
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