Ao procurar uma referência no
arquivo do blogue dei com este texto de Maio de 2007 que não resisto a
recuperar. Trata-se de uma “carta” ao então Ministro da Obras Públicas, Eng.
Mário Lino, por ocasião de uma sua famosa intervenção na sequência do que parece ter sido um
excelente almoço e em que defendia a construção do novo aeroporto de Lisboa na
Ota pois a Margem Sul era um deserto, disse. Aqui fica.
Excelência,
Apelando à sua generosidade apresento-lhe a seguinte situação.
Por azares da fortuna acabei por nascer e viver no Deserto da Sara,
como sabe o petit nom da margem sul do Tejo. Estou num trágico inferno Senhor
Ministro. Os meus filhos engrossam as estatísticas que envergonham o nosso país
e a sua colega Ministra da Educação pois, por falta de escolas, estão
condenados ao analfabetismo. Todos os dias temos alguém conhecido ou familiar
que falece por falta de assistência pois hospitais… não existem O seu colega
Ministro da Saúde tem aqui a tarefa facilitada pois não se pode fechar o que
nunca abriu. Como sabe, não temos indústria e comércio e, no deserto, a
agricultura é residual pelo que poucos trabalham aqui no Deserto da Sara. Mesmo
assim, os poucos que o fazem têm de percorrer longuíssimas distâncias até
chegar ao Portugal rico e desenvolvido da margem Norte. Até estas viagens são
infernais pois, como muito bem sabe Vossa Excelência como Ministro das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações, não temos estradas, as carroças são
lentas e a travessia do Tejo torna-se difícil porque os barcos não ajudam. O
nosso ordenamento territorial obedece às leis do deserto pelo que não temos
cidades, apenas aldeias e tão dispersas que nem as grandes superfícies chamadas
Centros Comerciais aqui se instalam. Embaraça-nos muito, também, o isolamento
em que vivemos pois quando, por milagre, alguém se lembra de vir ao Deserto da
Sara não pode ficar devido à inexistência de hotéis, embora tenhamos numa
aldeia chamada Costa da Caparica, uns parques de campismo muito jeitosos que
Vossa Excelência já visitou num safari que fez pelo Deserto da Sara, aquando da
revolta do mar.
Como vê Excelência, é o inferno. Quando, com a ajuda de um familiar
rico ou com algum subsidiozinho dado pelo governo a que Vossa Excelência pertence,
oferecemos um presente aos nossos filhos, quase sempre optamos por “kits de
sobrevivência”. É por isso que me dirijo ao Senhor Ministro no sentido de me
ajudar. Um primo da cunhada do tio da minha mulher falou-me que existe uma
terra chamada Ota que fica situada numa região chamada Éden onde existe tudo,
mas mesmo tudo, o que pode fazer feliz uma família preocupada com o bem-estar
dos seus filhos. Parece que só falta mesmo um aeroporto mas, disse-me esse
familiar, o Senhor comprometeu-se pessoalmente a construí-lo. Só lhe pedia
então um emprego para sair aqui do Deserto da Sara e dar à minha família o que
merece. Ajeito-me em qualquer coisinha e, se tiver dificuldade, peço ajuda a uma
daquelas pessoas que vêm do Leste que são doutores e sabem fazer de tudo e que
agora vêm para as nossas obras. Como vê peço pouca coisa. Em troca prometo o
meu voto e o da família, prometo rir-me das graças sobre a sua inscrição na
Ordem dos Engenheiros, e, muito importante, não farei queixa dessas graças.
Queira Senhor Ministro aceitar os meus agradecimentos pela atenção que
possa dispensar a esta trágica situação.
Seu, José Marques
Almada
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