"Falta de colaboração das vítimas dificulta investigação de crimes por violência doméstica"
A minha experiência neste espaço de escrita diz-me que a tarefa de
escolher um título para o que escrevemos nem sempre é uma tarefa fácil.
Serve esta introdução para referir a notícia do Público sobro o dramático
universo da violência doméstica que continua indomesticável e a fazer aumentar
o número de vítimas incluindo os homicídios. O Público afirma em título, "Falta de colaboração das
vítimas dificulta investigação de crimes por violência doméstica". Assenta esta afirmação na constatação reconhecida de que muitas vítimas recuam nas queixas e pedem a suspensão do processo.
Assim afirmado parece depreender-se que as vítimas assumem uma atitude de
não colaboração na investigação ao sofrimento porque passam quando, na verdade,
a peça refere-o, a violência doméstica, tal como o bullying, por exemplo,
alimenta-se do medo e da insegurança das vítimas, não da sua "falta de
colaboração".
O mundo da violência doméstica é
bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que
se conhece, apesar de, recorrentemente, temos notícias de casos extremos, é
"apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde
muitas mais situações.
Por outro lado, para além da
gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios gravíssimos de
violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns realizados em
Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações
amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem
para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que
claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma
mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante
menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou
“tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem
relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à
separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém
num espaço de tortura e sofrimento. Não é por falta de colaboração, insisto, é
medo, insegurança e isolamento.
Assim sendo, torna-se muito
importante que a comunidade assume uma atitude mais proactiva e atenta aos
casos conhecidos, muitas vezes sabemos que existem na porta ao lado e ignoramos, que
combata a sensação de impunidade do agressor com uma justiça eficaz e célere e
que promova estruturas de acolhimento, apoio e protecção e apoio, bem como
intervenções de natureza educativa junto de adolescentes e jovens que previnam
a emergência futura destes episódios.
Não é tanto a "falta de
colaboração das vítimas" que inibe o combate à violência doméstica, é mais
a falta de "colaboração", ou seja, empenhamento, atenção e intervenção, da comunidade através de diferentes actores e áreas de
competência.
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