"Agressões a profissionais de saúde quase triplicaram em 2014"
Segundo a Direcção-Geral de Saúde, em 2014
registaram-se 477 casos de violência dirigidos a pessoal de saúde o que
significa mais do que o dobro dos casos reportados em 2013, 202.
Como eventuais explicações são habitualmente
referidos os potenciais efeitos que a situação de grande dificuldade e
económica que atravessamos, incluindo dificuldades específicas no âmbito do
SNS, que tornarão as pessoas mais stressadas, mais instáveis e agressivas.
Sem minimizar estes efeitos de natureza mais
psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa
reflectir numa outra perspectiva.
Em primeiro lugar sublinhar que os profissionais da
saúde não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos
de agressividade. Há algum tempo representantes de forças policiais vieram a
público apresentar o mesmo problema e são demasiado frequentes e graves os
episódios de agressão a professores.
Por outro lado, é minha convicção que, para além
dos efeitos da crise, vale a pena considerar dois aspectos que me parecem
essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o
sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a estes fenómenos.
Uma observação minimamente atenta às mudanças
sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar
como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos
chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras
profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua
condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos,
curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem
“autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de
outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da
"bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso
social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos
comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um
fenómeno "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções
"velhas".
O segundo aspecto que me parece de considerar
remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não
acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a
nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação
dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece
nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que
aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. O comportamento e os episódios
conhecidos envolvendo figuras de relevo político, económico e social e a sua
falta de consequências são elucidativos
Considerando este quadro, parece importante um
trabalho no âmbito da formação cívica sobretudo no sistema educativo apesar do
MEC a desvalorizar em termos curriculares e na formação profissional dos grupos
profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um
discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do
autoritarismo.
Por outro lado e finalmente é ainda fundamental que
se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e
responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater,
justamente, a ideia de impunidade.
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