segunda-feira, 23 de março de 2015

CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO

Peço desculpa da insistência.
Numa altura em que está na agenda a complexa discussão do acesso aberto a listas de pedófilos (na prática aberto apesar das restrições propostas), vale pena perceber e não esquecer que a maior parte dos abusos e maus tratos a crianças ocorre entre dentro de casa, envolvendo família, amigos ou conhecidos.
Por outro lado, o volume de casos faz questionar a qualidade e a celeridade das respostas.
Em Dezembro de 2014, os técnicos a intervir na área da protecção de crianças e jovens em risco manifestavam a sua preocupação com o aumento de casos e o impacto nos recursos humanos disponíveis da redução de técnicos da Segurança Social que integram as Comissões. Foi na altura divulgado que existem Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco em que um técnico é responsável pelo acompanhamento de 100 crianças, ou seja, 100 famílias, tarefa manifestamente impossível de ser realizada de forma eficiente e efectivamente protectora das crianças e jovens.
Recordo que o Relatório da Actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco relativo a 2013 mostrava o aumento do número de casos, foram acompanhadas 71.567 crianças, mais 2560 do que em 2012.
A exposição a situações de violência doméstica, a negligência e casos relativos ao direito à educação (abandono, absentismo ou insucesso escolar) são as situações com maior incidência. É ainda relevante que os casos de crianças abandonadas ou entregues a si próprias quase duplicaram.
Verificou-se ainda o aumento do número de situações de consumos, álcool e droga, bem como de indisciplina severa. Merece registo positivo a diminuição de casos envolvendo negligência, abuso sexual, maus-tratos psicológicos, abandono, mendicidade e trabalho infantil.
Importa ainda considerar que nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção.
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa as dificuldades severas que muitas famílias atravessam e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além de surgirem com alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens ou dos Núcleos de Infância e Juventude do Centro Distritais de Segurança Social que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis como o trabalho hoje divulgado com vários exemplos mostra claramente.
 Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial e foram conhecidos recente mente casos de técnicos da Segurança Social que integravam Comissões e foram dispensadas para "requalificação", ou seja, despedimento. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Sublinho que neste universo intervêm diferentes entidades. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos e ao seu mal-estar, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

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