O Público de hoje traz um trabalho interessante sobre a forma como são preenchidos os lugares de chefia na administração pública ou da tutela do Estado. Apesar da existência da Comissão de
Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP) que com base na
análise curricular prepara uma lista pequena de escolhas para os decisores, a
escolha recai quase que exclusivamente em pessoas com ligações aos partidos da
maioria.
Nada de estranho, evidentemente,
apenas se alterna o procedimento de acordo com a alternância no Poder
Deixem-me recordar um realizado
na Universidade de Aveiro, divulgado em Fevereiro de 2014, que investigou
as nomeações, cerca de 11 000 em 15 anos, dos governos de diferentes cores
partidárias para a hierarquia da administração pública e concluiu, de forma
completamente inesperada, que o critério predominante é o cartão partidário,
com o objectivo de controlar as políticas públicas e pagar ou antecipar o
pagamento de favores, serviços e fidelidades.
A questão é que nas últimas
décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo
honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia
instalada o que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos
aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os
dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e
entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada
sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com
o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Aliás, os últimos
tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.
Este cenário é desde cedo
preparado e alimentado através de uma das formas mais eficazes de progressão
social e profissional existente em Portugal, a pertença a uma juventude
partidária, sobretudo, naturalmente, nos partidos do chamado arco do poder, veja-se quem desempenha as lideranças partidárias. Há
algum tempo, também o Público fez um levantamento da rapaziada
mais novinha, sem currículo relevante, académico ou profissional que enxameia
gabinetes ministeriais e os números são curiosos. Como característica comum têm
a pertença à "sua" jota onde desempenharam cargos que os catapultam
para assessores ou deputados e são o início de uma bela e promissora carreira,
numa despudorada utilização da administração pública, central, local e
empresarial para a distribuição de alguns jobs para os promissores boys e
girls.
A sociedade portuguesa está cheia
de exemplos deste tipo de percursos nas suas diferentes fases.
Um deles é a história do meu
amigo Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar
a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem
tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz
discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o
habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade
discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande
dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando
para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram
ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder
naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele
não acederia rapidamente, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e
optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder
durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente, o
Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade
discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe
garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude.
Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em
certos cursos, sobretudo para figuras de algum relevo público, não é muito
grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr.
Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no
Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns
mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente
relevante, valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa
de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos
naturalmente, o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades
que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à
escrita.
O livro que produziu,
autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título,
“O Manual do Alpinista” e consta obrigatoriamente das bibliografias
distribuídas nas Universidades de Verão dos diversos partidos.
Dito isto tudo e apesar disto
tudo, importa sublinhar que vale a pena não esquecer que também há lugar para o
mérito e qualificação em que vale sempre a pena investir.
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