A questão das agressões sexuais a crianças está na
agenda devido a uma proposta do Ministério da Justiça de criar bases de dados para condenados por pedofilia e permitir o acesso a essas listas. A questão dos
abusos sexuais dirigidos a crianças dado o crescente registo de casos e
condenações é, evidentemente ma matéria da maior importância.
No entanto, esta proposta, a elaboração e acesso a
lista de condenados por pedofilia é complexa e as experiências conhecidas noutros
países em que existe tal procedimento também não são conclusivas em termos de
prevenção e abaixamento da reincidência. No Público encontram-se argumentos
favoráveis, de Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio à Crianças ou desfavoráveis,
Pinto Monteiro, antigo Procurador-Geral da República. Em ambos os argumentários
encontramos reflexões pertinentes.
A proposta já foi reformulada e o acesso que
pretende permitir é mais restrito e depende de autorização policial que avaliará
o pedido de acesso, o que desde logo introduz uma dimensão de arbitrariedade a
considerar. Apesar desta prudência, estamos em Portugal, é fácil imaginar que
alguma imprensa acederá sem dificuldades às listas que colocará em manchete com
riscos difíceis de prever em termos de efeitos sociais e comunitários.
De qualquer forma, creio ser consensual o
entendimento de que a "explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma
luz mais forte sobre este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças,
pelo que a comunidade parece ter ficado mais atenta. A prova desta maior
atenção pode encontrar-se no facto de que a partir de 2002 ter aumentado
exponencialmente o volume de denúncias e condenações. No entanto, as pessoas
que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume de denúncias é
apenas uma parte das situações de abuso.
Acontece ainda que os estudos conhecidos mostram
que a maioria dos casos de abuso sexual sobre crianças e adolescentes envolvem familiares,
amigos ou conhecidos das crianças ou famílias, além dos casos, em menor número,
registados em instituições ou perpetrados por estranhos.
Neste contexto e para além de aspectos como a
moldura penal para estes crimes, que muitos entendem ser excessivamente ligeira
ou a existência nas esquadras policiais de uma lista de pessoas condenadas por
pedofilia acessível mediante requerimento a pais e disponível a estruturas que
lidam com crianças importa uma permanente atenção às crianças e aos sinais que
transmitem.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e
processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira
cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas
de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de
posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no
universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia
das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas
que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas
queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem
quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o
medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas
tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a
internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de
justiça relativamente aos abusos sexuais de menores, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com
crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler”
os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos bom se passa com eles. Em
diferentes áreas, aliás.
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