O Expresso de ontem apresenta um
trabalho interessante sobre o universo dos cursos vocacionais. Em dois anos e
sem qualquer avaliação concluída os cursos vocacionais passaram a ser
frequentados por quase 25 000 alunos, eram 300, a grande maioria oriunda do
ensino básico.
O Expresso questiona em título se
de facto este modelo será uma verdadeira resposta ao insucesso ou uma forma,
mais uma diria eu, de "mascarar" estatísticas pois chumbam em Portugal cerca
de 150 000 alunos por ano e para estes
cursos são "empurrados" todos os alunos que a partir dos 13 anos já tenham mais de um "chumbo".
Na maioria das situações descritas
no Expresso surgem referências à tipologia dos alunos, à inadequação da oferta,
à falta de recursos e meios técnicos e humanos, etc. Acontece que todos os alunos deverão cumprir
uma escolaridade de 12 anos, a idade de entrada no mercado de trabalho é aos 16
e o modelo parece francamente desajustado. Nada de novo, como já aqui tenho
referido considerando que este modelo contém alguns equívocos.
É curioso que sem terminar a avaliação
de uma "experiência-piloto", Nuno Crato Crato tenha decido aumentar exponencialmente,
3000%, o número de turmas destes cursos o que é interessante como metodologia,
generaliza-se independentemente da avaliação a que o período experimental
estava sujeito. É certo que Ramiro Marques, um dos cráticos gurus, bem se
esforçou por bem vender o "produto" e ele aí está. Como se sabe,
também Nuno Crato nunca se engana e raramente tem dúvidas.
Como se infere da interrogação do
Expresso e das inquietações de alguns directores ouvidos, a decisão do MEC por
esta opção também não é estranha pois corresponde a uma linha importante das
opções políticas, um persistente e determinado caminho de ir aliviando o
"ensino regular" dos alunos "preguiçosos" e
"burros" que só atrapalham e não deixam que os resultados escolares,
quer dizer, os exames, o mantra de Nuno Crato, sejam excelentes. Na verdade, é
mais interessante criar turmas de "descamisados", uma espécie de
"alunão", um recipiente para onde se enviam a partir dos 13 anos os
alunos que não prestam e devem ser reciclados, do que estruturar apoios e
recursos que os mantenham, tanto quanto possível, no ensino
"regular". Esta ideia é vendida sob o princípio ajustado e que deve
ser considerado de diferenciar e diversificar os percursos educativos mas
contém o pecado original de se destinar privilegiadamente e
"obrigatoriamente" aos chumbados como todos sabemos que na prática
acontecerá.
No entanto, gostava de recordar
que Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação
dos alunos com piores resultados escolares em ensino de carácter técnico e
vocacional, muito cedo, em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais,
aumenta a desigualdade social.
Quero deixar claro, tenho-o
escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de
percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e
imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação,
única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal
craracterística de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos.
Aliás, a oferta formativa de natureza profissional a alunos mais velhos, no
âmbito do ensino secundário que também está a acontecer, pode ser um passo
nesse sentido desde que não canalizado para os "que não servem" para
a escola.
A questão que considero
fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta
diferenciação tão cedo e “obrigatória” para os que chumbam. Poucos sistemas
educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração
de Crato e colaboradores, o admitir não é nenhuma chancela de correcção do
modelo como atestam as apreciações internacionais.
Os alunos com insucesso, estamos
a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão
“obrigatoriamente para” o ensino vocacional. Sabe-se que o insucesso escolar é
mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as
excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres
"destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais
favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual como a UNESCO
reconhece.
A diferenciação dos percursos,
necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica
na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os
miúdos.
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