O DN retoma hoje uma matéria que
poucas vezes é referenciada na imprensa, a devolução de crianças em processo de
adopção que assim voltam a ser institucionalizadas.
Segundo o Relatório Casa 2013
foram "devolvidas" 11 crianças em 2013 e os dados apontam para dez
"devoluções" por ano, quase sempre dentro do período de pré-adopção.
Na verdade, os casos de
“devolução" de crianças em processo de adopção são mais numerosos do que
se imagina. Algumas das decisões tomadas pelos Serviços de Justiça são
incompreensíveis, sobretudo se escrutinadas pelo “superior interesse da
criança”.
Nos últimos anos registaram-se
mais de 100 casos de crianças que foram devolvidas, isto é, viram o seu
processo de adopção interrompido. Muitas destas situações deveram-se ao facto
de as crianças "não corresponderem às expectativas" das famílias
adoptantes.
Vejamos com mais atenção. Uma
criança, por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição,
envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser
a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito. Passado algum tempo é
devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma,
experiência devastadora com efeitos que não podem deixar de ser significativos.
Como é evidente, admito que em circunstâncias
excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa
situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às famílias
adoptantes.
A lei permite, não sei se terá
sido alterada, que durante seis meses a criança possa ser devolvida, trata-se
de um período de adaptação, uma espécie de contrato à experiência. O Juiz
Armando Leandro presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e
Jovens em Risco, reconhecia há algum tempo que a devolução não tem de ser baseada
em "critérios necessariamente válidos". Também há algum tempo num
trabalho sobre o mesmo tema, o DN citava um caso em que uma criança foi
devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros
casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da
família ou a questões económicas.
Como é de prever, os serviços
procuram na fase pré-adopção prevenir situações deste tipo, embora eles
continuem a ocorrer.
Voltando ao tão apregoado
"superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará
na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa
altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a
estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde
às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem?
...
Mas as crianças, Senhores?
Deixem-me ainda recordar uma
expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que
tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só
as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são
adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não
chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto,
é melhor criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas"
possa ser adoptadas, possam ser felizes.
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