quinta-feira, 19 de setembro de 2013

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS DA FAMÍLIA E PROTECTORES

Com uma regularidade impressionante e que nos preocupa seriamente são revelados casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares ou amigos da famílias e também instituições que lidam com as menores. O caso mais recente envolve o Seminário do Fundão e os abusos realizados pelo seu vice-reitor cujo julgamento se iniciou hoje. Felizmente, o que é conhecido parece indiciar uma postura algo diferente das demasiado frequentes ambiguidades ou mesmo encobrimento por parte da hierarquia da igreja sobre tais comportamentos.
É consensual que a "explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma luz mais forte sobre este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças, pelo que a comunidade parece ter ficado mais atenta. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no facto de desde o início do processo em 2002 e até 2009, ter triplicado o volume de denúncias. No entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece fundamental não esquecer, nunca. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos embora, como é o caso do Fundão, continuem a acontecer.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos.

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