Sem surpresa pois está dentro da agenda explícita
e implícita do Ministro Nuno Crato, o fortalecimento do ensino privado
acompanhado de uma óbvia degradação da escola pública, a implosão de que Crato
falava, o diploma que revê o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e as
regras de financiamento foi aprovado nesta quinta-feira em Conselho de
Ministros. O Diploma já foi já considerado como “muito positivo” pela
Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, claro.
Segundo Nuno Crato, “o Estado não se restringe a
apoiar turmas, como existe neste momento com os contratos de associação, mas também
apoia alunos, o que abre um caminho mais directo a uma liberdade de escolha e a
uma concorrência entre escolas e entre sistemas”. De acordo com a proposta que
deu origem ao Diploma agora aprovado, são consideradas cinco modalidades de
contratos entre o Estado e as escolas particulares: contratos de associação,
patrocínio, cooperação, desenvolvimento de apoio às famílias e contratos
simples de apoio às famílias.
Estas duas últimas modalidades têm por objectivo “apoiar
a frequência de escolas de ensino particular e cooperativo por parte de todos
os alunos do ensino básico e do ensino secundário, não abrangidos por outros
contratos”, e terão como instrumento o cheque ensino atribuído às famílias que,
sob o princípio interessante e a considerar da liberdade de escolha, matriculem
os seus filhos em estabelecimentos privados.
Deixando de lado as outras modalidades,
designadamente no que respeita a custos para o Estado, as tais contas que nunca
dão certas, os números dizem o que os interesses ditam, embora com alguma
segurança se possa afirmar que no ensino público que o custo é menor, sobretudo após os cortes brutais de investimento e de recursos humasno, funcionários e professores, e a
questão dos contratos de associação que apesar de assentes num princípio
correcto, têm servido frequentemente como formas de financiamento injustificado e encapotado
do ensino privado, vejamos, de novo a questão do cheque-ensino, também
conhecido como cheque-educação.
Quero antes de mais sublinhar de novo que a
existência de um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente
necessário para, por um lado permitir alguma liberdade de escolha, ainda que
condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão
sobre a qualidade do ensino público. Também já tenho referido que a chamada
liberdade de educação, a escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos,
públicos ou privados, em que querem os seus filhos educados, no modelo actual do
nosso sistema educativo é, do meu ponto de vista, um enorme equívoco.
No que respeita às escolas públicas, conheço
muitas situações de grande dificuldade ou mesmo impossibilidade de matrícula de
uma criança em diferentes escolas da mesma zona, situação que as mudanças
actuais, concentração de alunos em agrupamentos e mega-agrupamentos, estão a
agravar e que muitas famílias sentem.
Por outro lado, no que respeita ao cheque-ensino
e à liberdade de escolha dos pais, as experiências de vários países, sempre
referidas, assentam genericamente num princípio que quando se fala entre nós desta hipótese é
sempre esquecido e que também não consta dos princípios hoje enunciados por
Nuno Crato, isto é, a obrigatoriedade (a questão central) de aceitar qualquer
criança. A proposta agora conhecida creio que também não contempla, evidentemente,
esta obrigatoriedade, talvez a proposta já não fosse tão bem acolhida pela
generalidade dos estabelecimentos de ensino. Acresce que os estudos sobre os efeitos
deste tipo de modalidades não são conclusivos, longe disso, como há algum tempo
um trabalho divulgado no Público sublinhava.
Na verdade, como todos sabemos, sem um carácter
de obrigatoriedade muitas instituições de ensino privado não receberão nunca
alguns alunos, independentemente de poderem ser financiados de formas
diferenciadas.
Não é uma questão económica, é uma questão de
defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de
excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam
os do "capital social" que detêm. A cultura mais generalizada entende
os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são
profundamente selectivos na população que acolhem, aliás muitos pais
"compram", por assim dizer, essa exclusividade.
Por outro lado e curiosamente, aos
estabelecimentos de ensino privado é concedido um nível de autonomia pedagógica
e curricular superior à escola pública que não pode ser apenas justificado por
serem privados, pois a autonomia é uma ferramenta de desenvolvimento da
qualidade, também na escola pública.
Insisto de há muito que a melhor forma de proteger
a liberdade de educação é uma fortíssima cultura de qualidade, autonomia e
exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim
teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.
No entanto, cada vez é mais claro que este não é
o entendimento de quem actualmente gere os destinos da educação em Portugal.
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