domingo, 29 de setembro de 2013

O DIA DE REFLEXÃO

Manda a liturgia dos processos eleitorais que o dia anterior se dedique à reflexão. Confesso que não estou muito de acordo com este cenário, do meu ponto de vista, ainda que pareça estranho, deveríamos ter o dia de reflexão no dia seguinte das eleições por razões que sintetizo em seguida.
Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção continua a crescer, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias, alimentando a alternância de poder no chamado centrão.
Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se indiciam e estas eleições autárquicas reforçam este meu entendimento.
De facto, este processo eleitoral foi particularmente elucidativo. Desde logo na apresentação de candidaturas que envolveu o aparecimento de uns troca-tintas que torturaram uma lei até conseguirem, com o aval do tribunal Constitucional, a cobertura para uma despudorada e vergonhosa dança de cadeiras. As figuras paradigmáticas deste despudor, Fernando Seara e Luís Filipe Menezes sofreram, as projecções assim sugerem, estrondosas derrotas. Uma nota ainda para a derrota de Moita Flores um exemplo notável de "pára-quedista" atrás do poder.
Disse-se que nestas eleições subiram exponencialmente as candidaturas fora dos aparelhos partidários, independentes, mas na verdade o que se verificou em muitas situações é que se tratou da situação de pessoas com filiação partidária que por incidentes da partidocracia não foram escolhidos pelos respectivos partidos e apresentaram-se como "independentes" mas que apenas nisso se tornaram por guerras ou interesses pessoais e partidários.
Nesta matéria, os independentes, parece também muito significativa a vitória de Rui Moreira no Porto, que sem filiação e sem o apoio dos partidos do "costume", PS ou PSD, venceu de forma muito clara as autárquicas neste concelho.
Os resultados também sugerem a continuidade no aumento da abstenção que traduz um desinteresse pela participação cívica elucidativa sobre a saúde da democracia e os efeitos da partidocracia instalada.
Sem surpresa, dados os tempos que atravessamos parece verificar-se um abaixamento na votação global dos partidos da coligação no poder. Não precisam de nos dizer que os resultados de eleições autárquicas não devem ser alvo de interpretações ou leituras nacionais, conversa sem sentido. Como é evidente, os votos expressos traduzidos na subida do PS e descida acentuada do PSD e a abstenção crescente merecem, exigem, uma análise global do seu significado e implicações, ainda como exemplos temos os resultados da CDU e do jardinismo, perdão, do PSD, na Madeira.
Uma nota ainda para a forma completamente atípica como se verificou a cobertura televisiva desta campanha, não pelo que perdemos em função do que foi sendo conhecido de comportamentos e discursos dos candidatos, mas pelo modelo e pela sua adequação em termos de informação, ética e democracia.
Creio que este conjunto de notas pode ajudar a perceber como os resultados que se indiciam nestas eleições e a própria campanha exigem uma reflexão profunda que deveria começar formalmente no dia seguinte, dedicado, esse sim à reflexão.
Esta reflexão deveria necessariamente considerar, entre muito outros aspectos, se o modelo actual de organização da actividade política, alimentador da partidocracia instalada e inibidor da participação cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida colectiva.

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