Manda a liturgia dos processos eleitorais que o
dia anterior se dedique à reflexão. Confesso que não estou muito de acordo com
este cenário, do meu ponto de vista, ainda que pareça estranho, deveríamos ter
o dia de reflexão no dia seguinte das eleições por razões que sintetizo em
seguida.
Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de
reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie
significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção continua
a crescer, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro
lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos
e circunstâncias, alimentando a alternância de poder no chamado centrão.
Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de
futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se
indiciam e estas eleições autárquicas reforçam este meu entendimento.
De facto, este processo eleitoral foi
particularmente elucidativo. Desde logo na apresentação de candidaturas que
envolveu o aparecimento de uns troca-tintas que torturaram uma lei até conseguirem,
com o aval do tribunal Constitucional, a cobertura para uma despudorada e
vergonhosa dança de cadeiras. As figuras paradigmáticas deste despudor,
Fernando Seara e Luís Filipe Menezes sofreram, as projecções assim sugerem, estrondosas
derrotas. Uma nota ainda para a derrota de Moita Flores um exemplo notável de "pára-quedista" atrás do poder.
Disse-se que nestas eleições subiram exponencialmente
as candidaturas fora dos aparelhos partidários, independentes, mas na verdade o
que se verificou em muitas situações é que se tratou da situação de pessoas com
filiação partidária que por incidentes da partidocracia não foram escolhidos
pelos respectivos partidos e apresentaram-se como "independentes" mas
que apenas nisso se tornaram por guerras ou interesses pessoais e partidários.
Nesta matéria, os independentes, parece também
muito significativa a vitória de Rui Moreira no Porto, que sem filiação e sem o
apoio dos partidos do "costume", PS ou PSD, venceu de forma muito
clara as autárquicas neste concelho.
Os resultados também sugerem a continuidade no
aumento da abstenção que traduz um desinteresse pela participação cívica
elucidativa sobre a saúde da democracia e os efeitos da partidocracia
instalada.
Sem surpresa, dados os tempos que atravessamos
parece verificar-se um abaixamento na votação global dos partidos da coligação
no poder. Não precisam de nos dizer que os resultados de eleições autárquicas
não devem ser alvo de interpretações ou leituras nacionais, conversa sem
sentido. Como é evidente, os votos expressos traduzidos na subida do PS e descida acentuada do PSD e a abstenção crescente merecem,
exigem, uma análise global do seu significado e implicações, ainda como exemplos temos os resultados da CDU e do jardinismo, perdão, do PSD, na Madeira.
Uma nota ainda para a forma completamente atípica
como se verificou a cobertura televisiva desta campanha, não pelo que perdemos
em função do que foi sendo conhecido de comportamentos e discursos dos
candidatos, mas pelo modelo e pela sua adequação em termos de informação, ética
e democracia.
Creio que este conjunto de notas pode ajudar a
perceber como os resultados que se indiciam nestas eleições e a própria
campanha exigem uma reflexão profunda que deveria começar formalmente no dia
seguinte, dedicado, esse sim à reflexão.
Esta reflexão deveria necessariamente considerar,
entre muito outros aspectos, se o modelo actual de organização da actividade
política, alimentador da partidocracia instalada e inibidor da participação
cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de
sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida
colectiva.
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