A propósito do texto do Professor David Rodrigues
no Público que parte das palavras desastradas, por assim dizer, do Ministro Nuno
Crato sobre o universo dos alunos com necessidades especiais, algumas notas
complementares.
Em Julho foi conhecido o Relatório da
Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação
Especial: Respostas Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
A avaliação envolveu 97 agrupamentos e escolas
nas quais existiam 3489 turmas com alunos com necessidades educativas especiais
integrados e apenas metade tinham a redução de alunos prevista na lei. Nada de
estranho, como é sabido, o Ministro Nuno Crato acredita que turmas grandes
favorecem o sucesso educativo, mesmo o de alunos com necessidades especiais.
No Relatório identificam-se alguns
constrangimentos, alunos cegos ou com baixa visão sem acompanhamento adequado
ou mesmo sem ensino de braille ou de orientação e treino de mobilidade, escolas
que recebem alunos surdos sem ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem
intérprete, a maioria das escolas não estrutura programas de transição para
chamada vida activa, pós-escolar, não promovendo eficazmente projectos de
integração social que seriam desenvolvidos em parceria com outras instituições.
Este facto, que não me surpreende, lamentavelmente, decorre de um dos equívocos
estabelecidos nos últimos anos neste universo, as Parcerias Público Privadas
para a inclusão. O Relatório refere ainda a insuficiência de professores,
técnicos e intérpretes para o número de alunos com necessidades especiais a
frequentar as escolas analisada.
A propósito deixem-me recordar algumas
referências do Relatório também da IGEC mas de 2010/2011 e que cito de um texto
que na altura aqui coloquei. Da avaliação realizada releva falta de formação
específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades
especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou
ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
Parece que as mudanças de um ano para o outro não
aconteceram.
As crianças com necessidades educativas
especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do
ensino regular sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades
para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido
constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das
crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas,
não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Continuo a entender que com base num incompetente
normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos
milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão
abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de
muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o
Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias
concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes,
mais diferentes.
Para o ano lectivo que agora começa são
conhecidas falta de recursos e de professores, sobrelotação de turmas frequentadas
por alunos com necessidades especiais, enfim, nada de novo.
Também tenho a convicção o conhecimento de
que esta legislação inibe, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a
crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas
de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer
correspondência com a realidade, quer pelos modelos de organização de respostas
que impõe.
Sei ainda que a prestação de serviços educativos,
na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" ou as parcerias
estabelecidas com as instituições assentam num enorme equívoco que os cortes
orçamentais tornaram evidentes as dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido
que na altura designei como um logro criado junto das instituições
privadas que intervinham na área da educação especial e ao qual, por razões
também económicas e de sobrevivência, tiveram de assumir.
Como é evidente, sei finalmente que em situações
de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes
voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento
das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Lamentavelmente, estamos num tempo em que
desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos, com cortes nos recursos
necessários e na "normalização" dos procedimentos e dos miúdos, mesmo dos miúdos especiais.
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