terça-feira, 17 de setembro de 2013

OS PROBLEMAS ESPECIAIS DOS MIÚDOS ESPECIAIS

A propósito do texto do Professor David Rodrigues no Público que parte das palavras desastradas, por assim dizer, do Ministro Nuno Crato sobre o universo dos alunos com necessidades especiais, algumas notas complementares.
Em Julho foi conhecido o Relatório da Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação Especial: Respostas Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
A avaliação envolveu 97 agrupamentos e escolas nas quais existiam 3489 turmas com alunos com necessidades educativas especiais integrados e apenas metade tinham a redução de alunos prevista na lei. Nada de estranho, como é sabido, o Ministro Nuno Crato acredita que turmas grandes favorecem o sucesso educativo, mesmo o de alunos com necessidades especiais.
No Relatório identificam-se alguns constrangimentos, alunos cegos ou com baixa visão sem acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino de braille ou de orientação e treino de mobilidade, escolas que recebem alunos surdos sem ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das escolas não estrutura programas de transição para chamada vida activa, pós-escolar, não promovendo eficazmente projectos de integração social que seriam desenvolvidos em parceria com outras instituições. Este facto, que não me surpreende, lamentavelmente, decorre de um dos equívocos estabelecidos nos últimos anos neste universo, as Parcerias Público Privadas para a inclusão. O Relatório refere ainda a insuficiência de professores, técnicos e intérpretes para o número de alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas analisada.
A propósito deixem-me recordar algumas referências do Relatório também da IGEC mas de 2010/2011 e que cito de um texto que na altura aqui coloquei. Da avaliação realizada releva falta de formação específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
Parece que as mudanças de um ano para o outro não aconteceram.
As crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Continuo a entender que com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Para o ano lectivo que agora começa são conhecidas falta de recursos e de professores, sobrelotação de turmas frequentadas por alunos com necessidades especiais, enfim, nada de novo.
Também tenho a convicção  o conhecimento de que esta legislação inibe, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade, quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
Sei ainda que a prestação de serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" ou as parcerias estabelecidas com as instituições assentam num enorme equívoco que os cortes orçamentais tornaram evidentes as dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido que na altura designei como um  logro criado junto das instituições privadas que intervinham na área da educação especial e ao qual, por razões também económicas e de sobrevivência, tiveram de assumir.
Como é evidente, sei finalmente que em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Lamentavelmente, estamos num tempo em que desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos, com cortes nos recursos necessários e na "normalização" dos procedimentos e dos miúdos, mesmo dos miúdos especiais.

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