O presidente do Observatório de Economia e Gestão
de Fraude da Faculdade de Economia do Porto, Carlos Pimenta, afirmava em finais
de 2012 que com a política de austeridade, sobretudo o brutal aumento da carga
fiscal, a degradação da classe média e o agravamento das desigualdades sociais,
iriam aumentar as fraudes e crescer o volume da economia paralela.
De facto, segundo dados conhecidos hoje disponibilizados
pela mesma entidade, a economia paralela representará actualmente em Portugal
cerca de 26.7 % do PIB português, facto que não pode ser desligado da fraude e
corrupção. Aliás, uma das imposições da "Troika" é justamente a
obrigatoriedade de existência a curto prazo de um plano contra a fraude e a
evasão fiscal.
Neste universo parece de relembrar que, segundo o
último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em
que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção
anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda os últimos indicadores do Barómetro
Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos
portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na
eficácia do combate.
Este outro lado da economia que envolve desde a
fuga de capitais para paraísos "off-shore", à habilidade individual
da ausência de recibo no dia-a-dia, está completamente enraizado, é apenas uma
questão de escala e as dificuldades resultantes da crise e dos aumentos de
impostos potenciarão, muito provavelmente, esse lado paralelo da vida
económica. Aliás, creio que dados os cortes nos apoios sociais, relembro que
menos de metade dos desempregados acedem a subsídio de desemprego, a economia
paralela se tornou justamente a base de sustentação e sobrevivência para muita
gente além de que minimiza o risco de turbulência social.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa
cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha"
ou arranjar “um esquema”. Com alguma regularidade refiro-me a esse
"traço" da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua
variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento
generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica
de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a
tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou
pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, o cidadão comum, nós, sentimos,
creio, algo de muito significativo, não acreditamos que exista verdadeira
vontade política de combater a corrupção apesar de algumas iniciativas recentes
da AR neste domínio. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu
envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o
poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte
substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano,
dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este
combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa
sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão
lembrados que há alguns meses atrás foram divulgados estudos evidenciando a
nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver o “esquema”, mas
não era a mesma coisa.
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