Depois do episódio que envolveu Miguel Sousa
Tavares que baptizou o Presidente da República de "palhaço" o que
motivou um pedido de inquérito à PGR, tivemos o episódio de um cidadão de Elvas
que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar "trabalhar"
e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo cidadão, ter-lhe-á chamado
"chulo" e "malandro". Claro que o cidadão foi detido e condenado
rapidamente, como se sabe em Portugal a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
Hoje foi conhecida a decisão do Tribunal da
Relação do Porto, um tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e
incompreensíveis, que entendeu que expressões como “abaixo estes ladrões” ou
“incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um serviço de finanças não podem
ser consideradas um “crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”.
A decisão do Tribunal responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado
a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das
funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento
excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos
reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em
Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria
de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade.
Acho sempre curioso o alarido que situações como
estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas"
desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não
só.
Com demasiada regularidade são usados
termos no âmbito da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para
adjectivar comportamentos e discursos na vida política quando tal uso é uma
enorme ofensa ao sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros
clínicos desta natureza.
Parece-me uma enorme ofensa à honra e dignidade
afirmar que temos de empobrecer quando um terço dos portugueses vive no limiar
de pobreza.
Parece-me uma enorme ofensa as despudoradas
mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da austeridade
usufruem.
Parece-me uma enorme ofensa, afirmar que o
desemprego é uma janela de oportunidade num país com um milhão de
desempregados, mais de metade sem subsídio e com cerca de 40% dos jovens sem
trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e
reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica
afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão
para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as
palavras que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e
tratamento que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros",
"chulos", "incompetentes" ou "ladrões",
"chulos" e o "vai trabalhar", etc., mais não fazem do que
justificar a mais comum das referências da linguagem corrente, a
"palhaçada" que tudo isto representa e que, como sempre, tem palhaços
ricos e palhaços pobres.
Siga, pois, o circo. Na falta do pão.
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