O Público de hoje aborda de novo a questão da adopção infantil em Portugal a propósito da realização em Lisboa de um congresso internacional dedicado a esta matéria.
Apesar de alguns dados positivos referidos no trabalho, ainda continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. Curiosamente, existem famílias interessadas na adopção de bebés que esperam até cinco anos porque entre os mais pequeninos passíveis de adopção, o número é menor, situação que se mantém, os candidatos à adopção preferem as crianças abaixo dos 3 anos.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada e o Plano Nacional de Adopção zela por isso no sentido de evitar, por exemplo, processos de "devolução" de crianças em processo de adopção, situação altamente penalizadora para todos os envolvidos. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade.
Como repararão os mais atentos, sempre que aqui me refiro a este tipo de questões, julgo justificado umas notas sobre os contextos familiares das crianças.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo de uma família.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.
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