O Ministro Nuno Crato referiu-se hoje à continuidade das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), ainda que possa ser repensado o modelo que as sustenta. De há muito que defendo a urgência desse reajustamento. Vejamos algumas notas, sobretudo dirigidas ao 1º ciclo.
A designada "ESCOLA A TEMPO INTEIRO" sendo dirigida a um problema presente na generalidade das comunidades educativas, a ocupação e supervisão das crianças fora dos tempos lectivos/escolares, tem, na sua implantação e desenvolvimento, evidenciado mais um dos muitos equívocos presentes nas políticas educativas.
Em primeiro lugar, verificou-se o subaproveitamento do muito que nesta matéria era já realizado, por exemplo, através de ATL(s) a funcionar no âmbito de parcerias com as Associações de Pais.
Por outro lado, é fundamental a atenção à qualidade dos espaços e conteúdos definidos, fundamentalmente, nas escolas do 1º ciclo do ensino básico, pela reconhecida importância de promover desde início experiências educativas de qualidade, pois ... "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita".
O equívoco existe ao confundir a importante necessidade de "EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO" com "ESCOLA A TEMPO INTEIRO". Na prática em muitas situações que conheço verifica-se:
- A dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação para ensino de inglês ou trabalho noutras actividades, com crianças dos 6 aos 10. Recorre-se então a docentes de inglês do 2º e 3º ciclo e ensino secundário ou, em alguns casos, a pessoas com formação académica mas sem formação pedagógica, em inglês, por exemplo. Em muitas situações este procedimento resulta na réplica para as crianças de aulas e actividades pensadas para pré-adolescentes e adolescentes. O benefício imediato é quase nulo e a consequência a prazo poderá ser a desmotivação, no mínimo.
- O modelo de organização do trabalho, sendo desenvolvido por professores ou outros elementos desconhecedores do modelo de funcionamento do 1º ciclo, mostra-se, com frequência, completamente desajustado. Como exemplo, refiro o horário de um grupo de 1º ano (crianças com 6 anos): trabalham com a professora da turma das 9h às 12 e das 13 e 15 às 15 e 15, e todos os dias têm a seguir dois ou três tempos de 45 minutos até às 17 e 30 ou 18.
Verificamos assim que as crianças estão envolvidas em tarefas de natureza escolar durante um tempo que nestas idades se torna completamente excessivo e contraproducente. Quero sublinhar que o que me parece errado não é o tempo em que as crianças se envolvem em trabalho e que estão na escola, mas sim a natureza desse trabalho, "disciplinarizado", ou seja, organizado por tempos, de forma rígida e ocupado com conteúdos e tarefas não compatíveis com crianças deste escalão etário.
Este quadro ilustra, creio, o equívoco a que me referi. Em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro, preenchido na escola e com qualidade, assistimos à definição de uma pesada agenda de actividades que está a motivar situações de relação com a escola turbulenta e reactiva. Alguns pais têm optado por retirar (quando e se podem) os seus filhos deste tipo de actividades.
Parece-me. pois, necessário que todo este universo seja repensado.
3 comentários:
Caro amigo, nos outros países não há nada disto! Isto existiu nos países de Leste, mas no tempo da outra senhora soviética.
A sua perspetiva sobre as Atividades Extra Curriculares é interessante. Não lhe querendo retirar uma parte da razão que tem ao dizer que é difícil contratar mão de obra qualificada para lecionar Inglês, devo esclarecer que os professores do 2.º CEB têm habiliatação para lecionar ao 1.º CEB (o curso que confere habilitação profissional para a docência de Português e Inglês no 2.º CEB, também habilita PROFISSIONALMENTE para lecionar no 1.º CEB). Os professores do 2.º CEB, são também professores do 1.º CEB! Quanto à desmotivação perante a Língua... Isso é algo que fica por provar, visto que antes das AEC o Inglês já se encontrava referido como uma das disciplinas em que os alunos apresentavam dificuldade e alguma resistência à sua aprendizagem. A solução, acredite, não passará pelos CATL (Centros de Atividades de Tempos Livres) uma vez que estes rapidamente ficarão sobrelotados e alguns, sem apoio do IAS, serão insuportáveis para os orçamentos das famílias. O que disse o "Anónimo" também não é verdade! Já há muito que o Inglês é lecionado no 1.º CEB noutros países; mas, para não cair no mesmo erro, de falar do que não sei, falo da Dinamarca, onde já lecionei, e desde 2004 que o Inglês é iniciado no 3.º ano do Ensino Básico. Só para terminar, o exemplo a seguir no Continente (Portugal, entenda-se) é o mesmo dos Açores, onde os professores (código 220, apenas) pertencem ao agrupamento de escolas e leccionam Inglês quer no 1.º, quer no 2.º CEB, os professores do 3.º CEB e Secundário NUNCA dão aulas ao primeiro ciclo.
Caro Cristiano, agradeço o seu comentári e deixo duas notas breves.
1 - Quando falei da formação para trabalhar com os miúdos falei da formação genérica dos profissionais que desempenham funções em AECs e citei o inglês mas não só, apenas como exemplo, mas referindo também professores do 3º ciclo e secundário que, manifestamente, não têm formação pedagógico-didáctica ajustada. Claro que professores do 2º ciclo terão essa formação adquirida as ESEs. Repare agora na área da educação musical na qual muitas actividades são asseguradas por pessoas com formação musical mas sem formação pedagógica. Referi ainda o modelo de organização das actividades, replicando a lógica "disciplinar" que me parece desajustada. Finalmente, preocupa-me a overdose de "trabalho" para miúdos pequenos.
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