quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DESEMPREGO JOVEM. Formação a mais ou desenvolvimento e regulação do mercado a menos?

Um os efeitos mais devastadores da crise é o aumento exponencial do desemprego. Está em 12,4 %, cerca de 700 000 pessoas, o número oficial pois estima-se que possa afectar mais de um milhão, esperando-se que aumente em 2012. É também sabido e percebem-se as razões, falta de novos empregos e precariedade, que as pessoas mais novas ocupam sempre uma fatia muito significativa do desemprego em Portugal, actualmente está em 30 %.
No caso mais particular dos mais novos vem sempre associada a situação dos que têm qualificação académica, ensino superior sobretudo, que não "lhes serve para nada". Como já tenho referido muitas vezes este tipo de discurso e o tratamento que boa parte da imprensa dá esta matéria causa-me alguma preocupação. Daí, de novo, algumas notas sobre isto.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura tal como a peça do Público indicia. Os trabalhos jornalísticos sobre esta questão deveriam ir mais longe no sentido de se perceber como a demissão e a negligência da tutela do ensino superior permitiram a instalação de oferta de ensino superior completamente desequilibrada (cursos em excesso em várias áreas) e a instalação de cursos de banda estreita, oferecidos com publicidade enganosa, obviamente destinados a dificuldades na entrada no mercado de trabalho.
Conhecendo-se a realidade social e económica do país será curioso perceber o nível de empregabilidade de alguma da oferta formativa existente.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor esclareça-me quanto à frase "a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura"

Não terão direito os jovens a tirar o curso que desejam e para o qual sentem apetências?

Quereremos um país de gestores e engenheiros para aumentar a produtividade?

Abraço
António Caroço

anónimo paz disse...

Caro anónimo

Registo e louvo a sua preocupação em salvaguardar as apetências dos jovens.

No entanto penso também que os jovens devem de ser aconselhados e direccionados para cursos que o mercado de trabalho os absorva depois de formados.

A realidade actual mostra-nos que isso não tem acontecido, tanto mais que basta atentarmos na discrepância que existe entre licenciaturas e postos de trabalho para vermos que tem que haver supressão ou diminuição de entradas em determinados cursos.

Os jovens têm que ter a inteligência de escolher o que é melhor para lhes garantir a sua própria subsistência.

Não estamos em tempos de romantismo.


saudações

Zé Morgado disse...

Caro António, Duas pequenas notas. Você acha que, só a título de exemplo, é realista e defende a qualidade, a existência de perto de 30 cursos de psicologia num país com a nossa dimensão? Em Portugal, o rácio de estabelecimentos de ensino superior por milhão de habitantes é mais do dobro do existente em Espanha. Parece-lhe razoável, realista e garante de qualidade esta enormidade? Quanto à natureza da oferta, quando tiver um tempinho consulte o sítio do Ensino Superior e veja a oferta disponível e depois conversamos um bocadinho. É óbvio que a oferta, já escrevi isto, não pode andar a reboque do mercado, à universidade compete promover mudança, mas tamém não pode esquecer o mercado.
Um abraço

Um abraço

Anónimo disse...

Professor, o que tem a dizer sobre isto?!
http://www.sabado.pt/Multimedia/Videos/Vox-Pop/VoxPop--A-ignorancia-dos-nossos-universitarios.aspx

Anónimo disse...

Professor, o que tem a dizer sobre isto?!
http://www.sabado.pt/Multimedia/Videos/Vox-Pop/VoxPop--A-ignorancia-dos-nossos-universitarios.aspx

Anónimo disse...

Caro professor, devo dizer-lhe que faltei à aula de Psicanálise do Professor Trincão sobre o texto do Freud "Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade". Neste momento estou a ler "Análise terminável e a Análise interminável".

Caro Anónimo se quiser responder-me pode tratar-me por António que é o meu nome, e com o qual assino todos os meus comentários.

Quanto ao caso dos 30 cursos de Psicologia estou certo que a "Mão Invisível" de Adam Smith resolverá assunto.

Reconheço que há cursos completamente espatafúrdios, mas acho que deveríamos continuar a ter a oportunidade de tirar o curso de Filosofia (por exemplo).

Espero apenas que os cursos da nossa instituição não sejam atingidos, já que temos em mãos um precioso projecto de nos tornarmos a melhor escola de Biologia do País.

Abraço aos dois

António Caroço

Zé Morgado disse...

António, Curiosamente, num texto que em tempos coloquei no blogue sobre esta questão dei como exemplo de formação indispensável mas sem, provavelmente grande empregabilidade entre nós o exemplo da filosofia. A Universidade, insisto, não pode andar a reboque do mercado mas não pode esquecê-lo.
Um abraço

Zé Morgado disse...

Quanto à "ignorância da juventude", escrevi uma nota sobre esta estimulante e inédita questão e que já está no blogue