segunda-feira, 21 de novembro de 2011

SER ALGUÉM

Os professores da minha escola ensinavam-nos a ser alguém.
Diziam-me para pintar o quadrado de vermelho, eu gostava de pintar o triângulo de azul. Parece que só se pode pintar o que nos dizem, da cor que nos dizem.
Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não são assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores.
Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras.
Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos.
Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca.
Na verdade, em todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, diziam-me.
E assim fiz, demorei algum tempo mas assim fiz, sou alguém.
Ontem, vinha na rua e outro alguém se me dirigiu, “Desculpe, importa-se de nos dar a sua opinião sobre …”.
Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que não penso.

2 comentários:

Ofelia Cabaço disse...

A personalidade do individuo quando é vincada e genuína é como um tronco de àrvore robusto, são e resistente. na nossa infância e adolescência, sempre havia quem tentava rodar o tronco, e, como não conseguiam tentavam sempre arranjar adjactivos ridículos sobre nós, o certo é que a inquietação era sempre mais deles do nossa. ainda hoje é assim, há-de convir que por mais infelizes que fiquemos percorremos sempre o nosso caminho, damos livre curso aos nossos sentimentos, aos nossos ânseios, que nem sempre resultam - mas, tal como José Régio : Não, eu vou por ali! até que de repente sentimos que as pessoas não valem mesmo a nossa luta e acabamos por deixar de pensar e deixamos de ter pensamento para reestruturar o pensamento, mas sobretudo, sentimos uma alegria vibrante de sermos PESSOAS. O seu texto está inteligentemente escrito. gostei! parabéns!
Ofélia Cabaço

Zé Morgado disse...

Obrigado, vá passando