quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O ENVOLVIMENTO PARENTAL NA ESCOLARIDADE DOS FILHOS. Um exemplo

O Público de hoje relata um caso de ajuda técnica de uma mãe de um aluno de 10 anos de uma escola de Chaves que durante um teste de Português, através da troca de SMS, o auxiliava nas respostas.
Esta situação, razoavelmente inovadora, é, do meu ponto de vista paradigmática a vários níveis.
Desde logo por se constituir um exemplo fortíssimo do tão desejado envolvimento parental na escolaridade dos filhos, acho absolutamente notável. Esta mãe está a fazer história.
Em segundo lugar e mais a sério, episódios deste tipo ajudam-nos a compreender a desregulação de comportamentos e princípios em alguns contextos educativos. Não será, assim, estranho, que os miúdos assumam com naturalidade atitudes e comportamentos menos ajustados.
No que diz mais directamente respeito à fraude no universo escolar recordo algumas notas já aqui deixadas.
O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra está a desenvolver um estudo nacional sobre a questão da fraude académica. Nos dados preliminares surge um indicador de que 37.6% dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A este dado, ainda que preliminar, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho há tempos divulgado referindo que as situações de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também há algum tempo, a propósito do acréscimo das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitem copiar, 90% afirmam fazê-lo desde sempre. Reparem que no exemplo de hoje estamos a falar de um aluno do 5º ano.
O conhecimento é entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente deter, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, a experiência mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de construção de relação com o conhecimento mais sólida em termos éticos.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o contexto global ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts", é a cultura do desenrascanço, não importa como.

3 comentários:

Miguel Sousa disse...

Apanhei o seu blog na notícia do Público sobre a SMS do puto. Gostei da sua análise.

Curioso já se fazerem estudos sobre o copianço generalizado na Universidade.

Por volta de 1990, estava a meio da minha Eng. Electrotécnica no IST, e assisti à forma despudorada com que parte dos meus colegas se entretinha a organizar copianços em grupo nos exames. Sempre desprezei esse modo de actuar, e olhando agora 20 anos depois, sinto raiva de mim mesmo por não ter chamado os bois pelos nomes e ter posto a boca no trombone.

Enquanto eu me esmifrava para tirar um 13, ao meu lado, alunos que normalmente chumbariam, e que tinham estudado apenas 25% da matéria, faziam uma parte do exame e passavam-no para ser copiado por outros que faziam o mesmo. No fim, obtinham todos o seu 16-17, com um mínimo de esforço.

Hoje são directores e CEO's de empresas de telecomunicações cá em Portugal (Vodafone, Cisco, etc) e na minha óptica não passam de uns vigaristas bem sucedidos.

É isto que distingue Portugal dos países do Norte. Aqui, cada um tem a sua ideia de moralidade, que passa aos seus filhos. Não admira portanto, que esses magnfícos pais estejam agora a passar aos filhos de 10 anos que para ter sucesso na vida, o objectivo é aldrabar e ser corrupto, desde que não se seja apanhado. E se se for, não faz mal, o sistema educacional ou judicial cá do burgo encarrega-se de nos perdoar, desde que sejamos importantes.

glcorreia disse...

A educação adquire-se mais através do exemplo dado pelos pais do que pelas regras que estes possam impor aos seus filhos. Pensará esta mãe que está a fazer o melhor pelo seu filho, ajudando-o a ter uma boa nota, que não corresponderá aos seus conhecimentos, mas dar-lhe-à a satisfação de poder dizer que o seu filho é muito bom aluno.

Ao pactuar com o seu filho numa atitude destas, esta mãe estará não só a comprometer os valores que o seu filho deveria adquirir para se tornar num cidadão honesto e correcto, como também estará a por em causa a sua própria autoridade, quando, por hipótese, noutra situação vier a ser chamada à escola, porque o seu filho fez uso indevido do telemóvel.

Quanto ao "copianço", obviamente que não é aceitável. Mas a um nível superior!? nos vários graus da Universidade, plágios ao nível de doutoramento, dá que pensar! E por aqui me fico!

Zé Morgado disse...

Como referi no texto, este tipo de comportamentos, existentes do básico ao superior, são apenas um reflexo do laxismo ético que se instalou permitindo uma espécie de "vale tudo que não acontece nada". Resultam em percursos como os que o Miguel ilustra bem como noutras situações mais ou menos conhecidas.