Como já escrevi, desde o início que
me sinto embaraçado com a medida. Não simpatizo de todo com a ideia de sortear
carros de topo de gama nos tempos que correm como forma de premiar o bom
comportamento fiscal.
Bem sei que a justificação é o
combate à evasão fiscal, muito elevada, e à economia paralela que representa
mais de 25% do PIB e que este cenário carece de ser revertido.
No entanto, a evasão fiscal nas
pequenas facturas do dia-a-dia não passa de peanuts
comparado com os milhões que circulam pelos paraísos financeiros que continuam
de boa saúde e protegidos pela hipocrisia dos políticos. A evasão fiscal
circula pelos escritórios de advogados que exploram até ao limite as manhas da
contabilidade criativa que as leis amigas possibilitam, permitindo que muitos
milhões escorreguem "legalmente" para outras sedes. A evasão fiscal
circula pelos negócios das famílias, poucas, que desde sempre mandam na
economia portuguesa com a colaboração desinteressada, evidentemente, dos seus
protectores estrangeiros.
A evasão fiscal e a economia
paralela alimentam-se de um fortíssimo nível de corrupção que raramente tem
condenados, veja-se a recorrente informação da baixa taxa de processos de
corrupção resultam em condenação,
A evasão fiscal e a economia
paralela circulam também no tráfico de influências e na protecção a negócios
que quando correm bem proporcionam lucros fabulosos não taxados, Dias Loureiro,
Isaltino Morais, João Rendeiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, etc., etc., que
o digam e quando correm mal pagamos todos.
O combate à fraude e à evasão
fiscal e à economia paralela passa por um sistema de justiça eficaz, célere e
justo, que não seja forte com os fracos e fraco com os fortes. Passa por leis
claras e sem alçapões que a contabilidade criativa e bem paga explore. Passa
pela exclusividade ou separação de funções minimizando o tráfico de influências
e pessoas entre estruturas públicas e privadas. Passa pela transparência dos
negócios e das colocações. Passa pela ... vontade séria de as combater e não da
produção de uma retórica hipócrita.
O sorteio da Factura da Sorte não
é inédito mas, também aqui, os exemplos em que se verifica não são muito
animadores, dispenso tal companhia.
Acredito que o Audi, outro prémio
da mesma natureza, possa ser um incentivo ao "cumprimento" fiscal
para muita gente. Muitos de nós portugueses, adoramos este "jogo", o
jogo da "sorte", no qual depositamos muitos dos nossos sonhos,
sintetizados na conhecida fórmula milhões de vezes dita e ouvida, "nunca
mais me sai o Euromilhões para deixar de trabalhar".
No entanto, esta adesão ainda me
deixa mais embaraçado, aceitamos o "jeitinho" no nosso quotidiano e
pedimos a factura da "bica" para alimentar a esperança no Audi.
Esta medida, finalmente,
recorda-me, a medida do Grupo Pingo Doce num famoso 1º de Maio que, em nome da
generosidade e preocupação com as famílias , proporcionou imagens degradantes e
deprimentes, bem como, é certo, mais uns milhões de euros nos negócios a troco
de uma multa irrisória.
Ainda assim, como o povo costuma dizer ... que o Audi saia a alguém que
precise. Boa sorte.
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