quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

OS AUDI DO MEU DESCONTENTAMENTO

Como já escrevi, desde o início que me sinto embaraçado com a medida. Não simpatizo de todo com a ideia de sortear carros de topo de gama nos tempos que correm como forma de premiar o bom comportamento fiscal.
Bem sei que a justificação é o combate à evasão fiscal, muito elevada, e à economia paralela que representa mais de 25% do PIB e que este cenário carece de ser revertido.
No entanto, a evasão fiscal nas pequenas facturas do dia-a-dia não passa de peanuts comparado com os milhões que circulam pelos paraísos financeiros que continuam de boa saúde e protegidos pela hipocrisia dos políticos. A evasão fiscal circula pelos escritórios de advogados que exploram até ao limite as manhas da contabilidade criativa que as leis amigas possibilitam, permitindo que muitos milhões escorreguem "legalmente" para outras sedes. A evasão fiscal circula pelos negócios das famílias, poucas, que desde sempre mandam na economia portuguesa com a colaboração desinteressada, evidentemente, dos seus protectores estrangeiros.
A evasão fiscal e a economia paralela alimentam-se de um fortíssimo nível de corrupção que raramente tem condenados, veja-se a recorrente informação da baixa taxa de processos de corrupção resultam em condenação,
A evasão fiscal e a economia paralela circulam também no tráfico de influências e na protecção a negócios que quando correm bem proporcionam lucros fabulosos não taxados, Dias Loureiro, Isaltino Morais, João Rendeiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, etc., etc., que o digam e quando correm mal pagamos todos.
O combate à fraude e à evasão fiscal e à economia paralela passa por um sistema de justiça eficaz, célere e justo, que não seja forte com os fracos e fraco com os fortes. Passa por leis claras e sem alçapões que a contabilidade criativa e bem paga explore. Passa pela exclusividade ou separação de funções minimizando o tráfico de influências e pessoas entre estruturas públicas e privadas. Passa pela transparência dos negócios e das colocações. Passa pela ... vontade séria de as combater e não da produção de uma retórica hipócrita.
O sorteio da Factura da Sorte não é inédito mas, também aqui, os exemplos em que se verifica não são muito animadores, dispenso tal companhia.
Acredito que o Audi, outro prémio da mesma natureza, possa ser um incentivo ao "cumprimento" fiscal para muita gente. Muitos de nós portugueses, adoramos este "jogo", o jogo da "sorte", no qual depositamos muitos dos nossos sonhos, sintetizados na conhecida fórmula milhões de vezes dita e ouvida, "nunca mais me sai o Euromilhões para deixar de trabalhar".
No entanto, esta adesão ainda me deixa mais embaraçado, aceitamos o "jeitinho" no nosso quotidiano e pedimos a factura da "bica" para alimentar a esperança no Audi.
Esta medida, finalmente, recorda-me, a medida do Grupo Pingo Doce num famoso 1º de Maio que, em nome da generosidade e preocupação com as famílias , proporcionou imagens degradantes e deprimentes, bem como, é certo, mais uns milhões de euros nos negócios a troco de uma multa irrisória.
Ainda assim, como o povo costuma dizer ... que o Audi saia a alguém que precise. Boa sorte.

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