Estava o Burro tranquilamente a
tomar uma bica numa esplanada ao solzinho da tarde, quando apareceu a Vaca com
quem já tinha trabalhado várias épocas. Depois dos cumprimentos da praxe, o
Burro lamentou-se.
Nunca me tinha acontecido tal, dois anos no desemprego nesta altura.
Como sabes, já trabalhámos juntos, a situação habitual era escolher bem entre
as muitas ofertas. A tradição já não é o que era. Ninguém liga a presépio a sério
e conforme a tradição. As poucas famílias que os fazem optam por produtos baratos
vindos lá da China. Onde é que já se viu? Burros em plástico? Dão cabo das
tradições e a ASAE a isso não liga, tantos Burros portugueses com capacidade
para aguentarem três árduas semanas de companhia ao Menino Jesus e vamos para o
desemprego. O que vale é que algumas Câmaras ainda fazem uns presépios, mas
também não adianta muito, empregam os Burros ligados ao partido que manda na
Câmara, sem critérios transparentes de mérito na selecção. É Vaca, isto está
mesmo mal. E tu, também não devias estar aqui nesta altura. Também te está a
correr mal a vida?
Não me digas nada, Burro. Estou com os mesmos problemas que tu e, para
piorar as coisas, desde aquela crise das minhas primas loucas, nunca mais
confiaram em nós como antigamente. Para os poucos empregos que ainda vão
aparecendo exigem atestado veterinário de sanidade, que é caro e é uma
burocracia para tratar e, na volta, não nos dão o emprego. E ainda vai ficar
pior, ouvi dizer que iam proibir os presépios por causa do Menino Jesus. Dizem
que obrigar o miúdo a ficar três semanas nas palhinhas, mal aquecido, é
maus-tratos e exploração de mão-de-obra infantil. Então é que vai ficar mesmo
mal para a gente, não sei mesmo o que fazer, só sei trabalhar em presépios. Na
volta ainda vou ter que pedir a reforma antecipada ou um subsídio de desemprego
de longa duração. E tu, Burro?
Se as coisas continuarem assim, vou inscrever-me no Centro de Emprego,
espero que me chamem para formação profissional para certificarem em qualquer
coisa. Era bom era receber um computador, como fizeram a um primo meu quando
havia o Novas Oportunidades mas agora já não há dinheiro para estas cenas. Mas
se fosse mais qualificado talvez consiga qualquer coisa. Quem sabe, com uma
cunha do Menino Jesus até poderia entrar para um banco para brincar com os
filhos dos administradores. Era um bom emprego mas até os Bancos estão a ir abaixo.
Vaca, achas que consigo?
Deixa-te de sonhos Burro, o Natal já não é o que era.
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