segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

OS RISCOS DA RITALINIZAÇÃO DOS MIÚDOS. DE NOVO

De facto, segundo dados do Infarmed o recurso ao metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen disparou em Portugal nos últimos anos, de 23 000 embalagens vendidas em 2004 passou-se para cerca de 276 029 embalagens vendidas em 2014, um crescimento assombroso e preocupante.
Face a este cenário e em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou na peça de hoje do DN, Ana Vasconcelos, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco.
Retomo algumas notas de textos anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos comportamentos que os miúdos mostram. De há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes ganhou uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a "dismiúdos".
Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".
De forma simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes, devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.
Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. Como mais uma vez se refere os riscos da sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é "dis"masiado grave.

2 comentários:

Coelhicha disse...

Este texto vem de encontro ao que penso. Existem demasiadas crianças/jovens medicados.
O que vai ser deste país num futuro próximo em que os trabalhadores ativos, são hoje jovens medicados?
Quem vai suportar os custos de saúde pública da sociedade?
Estas são algumas das perguntas que deixo no ar. No entanto o mais preocupante é que estes problemas estão a tomar proporções gigantescas porque as crianças não estão a viver o seu tempo como crianças. A escola ocupa a maior parte do seu tempo. Foi-lhes tirado o tempo para brincar e ser criança. Quem de nós consegue manter a mesma atenção/concentração durante 6 a 7 horas por dia? Pois é isso que se está a exigir aos nossos alunos. Que se mantenham concentrados de 2ª a 6ª das 8.00 às 17.00!
Enquanto não se reduzir o tempo que passam na escola, enquanto não se ajustarem as matérias às suas reais capacidades, enquanto se lhes sonegar o tempo de brincar, vai continuar a aumentar o número de crianças/jovens medicados e num futuro próximo além de população envelhecida seremos também população dependente de fármacos.

Zé Morgado disse...

De acordo, evidentemente.