Escreveu-se finalmente o capítulo final, por agora
bem entendido, estamos em Portugal, da crónica da
remodelação anunciada. A
irrevogável decisão de Paulo Portas foi compensada, tudo tem um preço, sobe a
Vice-Primeiro-ministro, ganha o Ministério do
Álvaro que passa para as mãos do
António e o Pedro ganha novas competências embora parte das competências da Assunção deslizem para as mãos do
Jorge. Para substituir o Paulo nos Negócios Estrangeiros entrou o
Rui que, prudentemente, guardou na gaveta a sua ligação com os portuguessíssimos
negócios da SLN/BPN.
Estas narrativas sobre remodelações, desculpem lá, mas quando se
fala destas matérias deve-se utilizar o termo narrativas, relativas a
remodelações deixam-se habitualmente uma sensação de perplexidade e estranheza embora
não me queira intrometer no novo ofício de politólogo.
Sempre que os Governos, independentemente da sua
natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por
um lado às opções políticas assumidas e por outro lado à incessante luta entre
quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre
remodelação, numa espécie de relação mágica, se as mudarem mudarem a realidade
também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os
modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são
habitualmente pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o
essencial.
Os tempos que temos vivido não fogem a este
processo. Desde há muitos meses que se ouvem insistentemente vozes, mesmo de
entre os partidos integrantes da coligação, que reclamam pela remodelação com a
curiosidade semântica de alguns lhe chamarem "refrescamento", o que
não deixa de ser interessante.
No entanto, creio que os últimos tempos nos
obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação. A questão de fundo não
é a
composição o Governo, é a mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das
suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização
deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou
é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe
qualquer outro rumo que não o por si traçado. Atente-se nos discursos
produzidos em torno da tentativa patética de estabelecer um "compromisso
de salvação nacional" que todos sabiam impossível.
No início do seu mandato o Governo, dadas as
circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as
suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses
interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva
transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é
conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e
sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos
em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada
vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos, desiguais,
massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e reformas, o
consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora rendimentos
muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e sucessivas
excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento, ao
Governo não basta remodelar, refrescar caras e ideias, ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas
obras será o fim, ou melhor, o princípio do fim. Trata-se de um mero jogo de poder dentro da
coligação de que Portas foi o guionista.
Existem alternativas, sabemos todos que existem
alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos
internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é
essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo,
considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se
pense em mudanças significativas no seu trajecto.
Continuarão, muito provavelmente, as políticas tóxicas,
ou seja, retomando um velho enunciado político, trata-se da evolução na
continuidade.
Uma referência final à coesão e estabilidade do
Governo agora remodelado, características essas que serão certamente irrevogáveis até à
próxima crise.