Como não podia deixar de ser, algumas notas sobre
o deprimente espectáculo ontem proporcionado em várias zonas do país numa
produção assegurada pela cadeia Pingo Doce.
Independentemente dos contornos legais, que não
tenho competência para avaliar, por exemplo, se os preços praticados
configuraram situação conhecida por
"dumping", venda a abaixo do preço de custo, a minha atenção é dirigida
sobretudo para questões de ética.
Todos nos lembramos de frequentes intervenções
públicas do empresário dono do grupo Jerónimo Martins que detém a cadeia Pingo
Doce, Alexandre Soares dos Santos, apontando as falhas éticas e comportamentais
das lideranças políticas, e não só, apresentando-se ele próprio como um exemplo
de verticalidade e ética.
No entanto, será de recordar, por exemplo, como
denunciou Nicolau Santos no Expresso, que quando o Governo fez aumentar o IVA, foi
publicitado até à exaustão que a cadeia Pingo Doce não o aumentou, mas
repercutiu o aumento nos preços pagos aos produtores, esmagando, assim, as suas
já reduzidas margens. Continuou desta forma manhosa a assegurar a fatia de leão
do lucro, a distribuição, e ainda pôde clamar que não aumentou o IVA.
Um segundo exemplo, também certamente com
cobertura legal, foi o da mudança para a Holanda da sede de algumas actividades
do Grupo, à procura de benefícios fiscais.
Temos agora esta iniciativa, a abertura dos seus supermercados
ao 1º de Maio, sempre com cobertura legal, e a realização de uma megapromoção
de preços que fez instalar o caos devido à percepção de um consumidor que se deixa
envolver neste tipo de campanhas, seja pela necessidade, seja pela cultura ou,
apenas, porque sim.
Alguns dos depoimentos que as reportagens televisivas
mostraram, pareceram-me absolutamente patéticos, deprimentes, uma afirmação de
consumismo festivo, histérico, desregulado. A ocorrência de situações de
trânsito bloqueado, de confrontos físicos, da necessidade da intervenção
policial para ir ao supermercado, etc., que espectáculo assustador e humilhante.
Não foi, obviamente, por coincidência, que esta
decisão da Jerónimo Martins foi realizada no dia 1 de Maio, não foi uma decisão
exclusivamente económica, foi uma decisão política, política pura e dura.
Não é grave, todas as dimensões da nossa vida em
sociedade têm, de alguma forma, um enquadramento politico. A minha questão é
que gente responsável por isto ainda queira assumir uma postura de
verticalidade, de seriedade ética, de exemplo de cidadania. Como ontem dizia,
tinha uma certa curiosidade por ouvir um comentário de António Barreto, outra
figura que reclama a importância da ética e da cidadania e que preside à
Fundação suportada por Alexandre Soares dos Santos. É certo que depois de ver
António Barreto a publicitar os vinhos vendidos no Pingo Doce já não serei
surpreendido.
Na verdade, este episódio do Pingo Doce deixou-me
um enorme pingo de amargura. Mais um.
3 comentários:
Foi uma decisão política e um grande golpe publicitário. Aproveitaram-se também de ser início do mês e de a maior parte das pessoas ainda ter dinheiro.
Se não fosse a promoção, não teriam a afluência que tiveram, como pude constatar no ano passado, em que também abriram as lojas no 1 de Maio.
A iniciativa deles foi envolta em secretismo, pois nem as pessoas que lá trabalham foram devidamente informadas. Muitos só souberam na véspera.
Ingenuidade é substantivo feminino que não habita no espírito do sr. Jerónimo Martins. Inocência também não.
Ele sabia perfeitamente as consequências perigosas que estavam latentes em tal iniciativa.
Se queria, como diz, ajudar o consumidor, podia fazer de uma outra forma. Nem tão pouco eu acredito nessa bondade vinda do actual capitalismo. É evidente que há excepções, mas raríssimas...
Ele protagonizou o papel do pseudo-generoso que passa por dois mendigos invisuais e diz. "Estão aqui 10€ para os dois" e não deposita absolutamente nada nas respectivas caixas. Os invisuais acusam-se mutuamente de desonestidade e chegam à agressão física.
Gentalha desta não precisamos nem queremos no nosso País por muito investimento que façam.
Para nos roubar dignidade e direitos, chega-nos a "troika" e o governo neoliberal que temos.
O sr. Martins que faça as malas e zarpe para a Holanda. Outros com filosofia mais humana (desejo meu) tomam-lhe o lugar.
saudações
Claro que não foi por bondade... Foi para proveito deles. Esta iniciativa foi completamente anti-ética.
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