domingo, 27 de maio de 2012

BANDIDOS OU HERÓIS

Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam, uns por uma razão, outros por outra razão. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque lhes dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um gaiato dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
Serve esta introdução para referir o trabalho impressionante que o Público apresenta sobre o que alguém no próprio trabalho designa por jovens em "fim de linha", jovens que por decisão dos tribunais cumprem penas de internamento em Centros Educativos com obrigatoriedade de se inscreverem em programas de apoio, jovens que estão acompanhados pelas CPCJ, jovens com famílias inexistentes ou completamente disfuncionais. Estes jovens são acompanhados em dois Centros de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil, experiência tutelada pelo IAC e articulada com a Direcção Geral de Reinserção Social. Da leitura do trabalho, que se recomenda, releva a extraordinária dificuldade em ser bem sucedido dada a mochila pesadíssima que alguns destes jovens carregam. É óbvio que os esforços e competência das equipas e a eventual motivação de alguns dos jovens poderão dar algum fruto mas a dificuldade é enorme.
Neste cenário, jovens com passado e presente de violência e delinquência, a situação é extremamente complexa. Segundo dados da Direcção Geral de Reinserção, cerca de 40% dos adolescentes internados voltam aos Centros Educativos ou às prisões após os 16 anos. Esta altíssima taxa de reincidência mostra a falência do Projecto Educativo, obrigatoriamente definido para todos os adolescentes internados que assentaria em dois eixos fundamentais, formação pessoal e formação escolar e profissional. É neste âmbito que o trabalho tem que ser optimizado. É imprescindível que os meios humanos e os recursos materiais sejam suficientes para que se minimize até ao possível os riscos de reincidência. Por outro lado as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não têm, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
A falta de eficácia e de recursos nos processos de intervenção em situações mais precoces tem como consequência a emergência de casos como os abordados no trabalho do Público e que, de acordo com os técnicos, tendem a aumentar. Com custos insustentáveis para os próprios e para as comunidades.

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