domingo, 20 de maio de 2012

AS PALAVRAS MAL DITAS

Continuam a merecer discussão as afirmações do Primeiro-ministro considerando que o "desemprego pode ser uma oportunidade para mudar de vida" e "não tem de ser visto como negativo". Aliás, o Público dedica hoje um extenso trabalho a esta matéria, ouvindo vários especialistas que divergem, claro, na opinião.
Umas notas breves, de um não especialista, sobre a questão da comunicação, sobretudo da lideranças políticas e que se justificam por sucessivos episódios. A título de exemplo relembro afirmações  sugerindo, aconselhando, a emigração, a necessidade de se sair da "zona de conforto" ou ainda a famosa referência à necessidade de não sermos "piegas".
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão sobre a vida das pessoas. Assim sendo, as lideranças políticas assumem maior responsabilidade pelas afirmações que fazem.
Uma segunda nota prende-se com a justificação das afirmações, o seu conteúdo e forma. Todos os dias a imprensa e responsáveis de instituições de solidariedade social nos dão conta de situações de pessoas, milhares de pessoas, que estão a viver abaixo de um limiar que lhes garanta padrões mínimos de qualidade de vida, incluindo dificuldades de alimentação afectando crianças. Conhecemos muitas histórias de inacessibilidade a tratamentos e serviços de saúde por dificuldades económicas. Muitos milhares de famílias têm entregado as suas casas à banca por incumprimento de créditos, etc. Para muitas destas pessoas, afirmações como as que estão em análise são quase insultuosas e, portanto, inaceitáveis. Na verdade, este cenário devastador aumenta  a pressão sobre o discurso dos líderes políticos, exactamente os que são responsabilizados pelos problemas ou, pelo contrário, de quem se espera a minimização desses problemas.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a  intenção não é a de desvalorizar os dramas que afectam muitos milhares de pessoas.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudessem ser entendidas, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de se sentir envolvidas e agredidas. Quanto à intenção, a sua não existência, e acredito que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
A questão é que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
São palavras mal ditas.

2 comentários:

anónimo paz disse...

Dizer que são...PALAVRAS MAL DITAS...é branqueamento!

O menino Pedrinho P. Coelho tem lapsos (muitos) de sensibilidade social. Eufemistícamente falando claro. Mas não é admissível tais lacunas em quem ocupa o cargo de 1º Ministro.

Mas o Povo encarrega-se de ensinar a pensar quem nunca pensou ou quem se esquece de pensar. É questão de dar tempo ao tempo...


saudações

Margarida Alegria disse...

Belo post! Subscrevo em pleno!
É bom que se relembre tudo isto a quem quer desvalorizar e dizer que são "meras palavras"...
Bom Domingo!

Anónimo Paz:
o pior é se o povo o ensina a pensar já tarde demais....
O pior é que não tem pudor em debitar pensamentos teóricos de outros e achar que isso é normal, que pensar no povo que governa não interessa para nada.