Eu e, provavelmente, alguns de
vós, somos do tempo das bonecas de trapos e das bolas de trapos. Estas bonecas e
bolas eram construídas a partir dos trapos velhos, das sobras, e substituíam as
bonecas e bolas construídas em materiais mais nobres, bem mais caros, apenas acessíveis a alguns, a quem tinha, por assim dizer,
famílias mais favorecidas, recorrendo a
um termo que sempre achei curioso, tal como o seu contrário, as famílias
desfavorecidas. Estas bonecas e estas bolas tinham uma característica notável,
eram extraordinariamente resistentes aos tratos, todos os tratos, que lhes dávamos,
o que nem sempre acontecia com os materiais mais sofisticados.
Os tempos e as mudanças a vários
níveis deixaram fora de uso as bonecas e as bolas de trapos. No entanto,
continuam a existir e, dramaticamente em risco de aumentar, os miúdos de trapos.
Estranharão a designação mas, na
verdade, existem muitos miúdos, maiores e mais pequenos que se constroem e são
construídos a partir de "trapos", de sobras. São feitos com os
trapos, as sobras, dos afectos de
famílias que não os desejaram, apenas os suportam e deles não cuidam.
São miúdos, maiores e mais
pequenos, que se constroem e são construídos com os trapos, as sobras dos
materiais que não chegando para todos, faltam mais aos mais vulneráveis e que
menos exigem.
São miúdos, maiores ou mais
pequenos, que se constroem e são construídos com os trapos, as sobras, da
atenção de uma escola tão carregada, tão pressionada que não chega a todos e repara
mais facilmente nos que são construídos com materiais de melhor qualidade.
São miúdos, maiores e mais
pequenos, que se constroem e são construídos com trapos, sobras, de políticas
que se chamam sociais, educativas, de família,
de justiça, etc., que se esquecem do supremo interesse da criança.
No entanto, curiosamente, estes
miúdos de trapos, mantêm, quase todos, a característica notável das bonecas e
bolas de trapo, são também resistentes aos tratos, todos os tratos, que lhes
damos. Aos miúdos de trapos.
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