Nos últimos dias têm-se multiplicado discursos e
intervenções que remetem para o que poderemos entender por dimensões
psicológicas das dificuldades que atravessamos.
Ouvem-se especialistas em psicologia a defender
que uma atitude individual positiva, ou seja, o nosso comportamento, se
correctamente gerido pode ser uma fonte de optimismo e visão positiva mesmo no
meio das dificuldades, sendo que, parece, somos infelizes porque nos lamentamos
em excesso ou apanhamos pouco sol. O Primeiro-ministro e outros líderes
políticos afinam pela mesma ideia. Aliás, Passos Coelho entende que o drama do
desemprego não é uma fatalidade, pode ser mesmo uma janela de oportunidade.
Paralelamente, o JN de hoje titula que, só em
Março, mais 6359 pessoas passaram a beneficiar do Rendimento Social de Inserção.
Esta gente estará certamente em risco de perder o optimismo e a felicidade.
Como é óbvio, não está em causa a necessidade de
manter, tanto quanto possível, uma atitude positiva face à vida e às circunstâncias
que esta nos coloca pela frente. A questão é que a situação actual tem demasiadas
variáveis não controladas pelas pessoas, em termos individuais, e isso não
pode, não deve ser esquecido por especialistas ou pelas lideranças políticas.
Neste sentido, por exemplo, o Bastonário da Ordem dos Psicólogos tinha
manifestado há meses a preocupação sobre a forma como os discursos e
comportamentos da generalidade das lideranças políticas são pouco promotoras de
confiança e da construção de expectativas positivas.
Em diferentes ocasiões tenho referido no Atenta
Inquietude a importância do que tenho designado exactamente por uma dimensão
psicológica da crise, a confiança, ou, mais claramente, a falta de confiança.
Esta importância verifica-se em termos individuais, quando nos sentimos
confiantes, sentimo-nos mais capazes, verifica-se em termos de grupo, a título
de exemplo, uma equipa de futebol confiante será seguramente mais eficaz,
verifica-se de forma genérica em qualquer instituição e, finalmente, poderemos
também dizer que sociedades mais confiantes sentir-se-ão mais capazes de
enfrentar dificuldades.
Assim sendo, parece importante que as lideranças,
entre todas as suas competências e acções, sejam capazes e competentes no
sentido de transmitir confiança. Acontece que as nossas lideranças, em matéria
tão importante, subordinam, como sempre, as suas acções aos interesses
imediatos, sobretudo partidários, ou seja, basicamente, quem governa faz
discursos excessivamente optimistas, que muitas vezes parecem negar a realidade,
pintando-a de rosa e quem está na oposição produz discursos e visões
catastrofistas. Como é óbvio, os cidadãos têm cabeça, qualquer dos discursos
são um péssimo contributo à confiança realista e informada que precisamos de
sentir face a dificuldades e a desafios complexos.
Nos últimos tempos, em que se têm acentuado as
consequências dramáticas da crise a nível do emprego e da diminuição dos apoios
sociais por exemplo, seria ainda mais necessário um discurso que contribuísse
para identificar um rumo e promovesse e envolvesse os cidadãos na convicção e
confiança de que seremos certamente capazes de ultrapassar, ainda que com
momentos dolorosos, os tempos que vivemos.
O problema é que muita desta gente e dos seus
discursos e comportamentos são parte do problema, dificilmente serão parte da
solução como temos vindo a constatar.
Depois de vários anos de desemprego, dezenas de
entrevistas e currículos enviados, uma idade "proibida" no mercado de
trabalho, a dignidade de rastos, uma família afectada, parece difícil manter o
optimismo. É preciso cuidado nos discursos sobre o optimismo. Quase nunca se é
infeliz porque se deseja.
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