domingo, 13 de maio de 2012

O OPTIMISMO MILITANTE

Nos últimos dias têm-se multiplicado discursos e intervenções que remetem para o que poderemos entender por dimensões psicológicas das dificuldades que atravessamos.
Ouvem-se especialistas em psicologia a defender que uma atitude individual positiva, ou seja, o nosso comportamento, se correctamente gerido pode ser uma fonte de optimismo e visão positiva mesmo no meio das dificuldades, sendo que, parece, somos infelizes porque nos lamentamos em excesso ou apanhamos pouco sol. O Primeiro-ministro e outros líderes políticos afinam pela mesma ideia. Aliás, Passos Coelho entende que o drama do desemprego não é uma fatalidade, pode ser mesmo uma janela de oportunidade.
Paralelamente, o JN de hoje titula que, só em Março, mais 6359 pessoas passaram a beneficiar do Rendimento Social de Inserção. Esta gente estará certamente em risco de perder o optimismo e a felicidade.
Como é óbvio, não está em causa a necessidade de manter, tanto quanto possível, uma atitude positiva face à vida e às circunstâncias que esta nos coloca pela frente. A questão é que a situação actual tem demasiadas variáveis não controladas pelas pessoas, em termos individuais, e isso não pode, não deve ser esquecido por especialistas ou pelas lideranças políticas. Neste sentido, por exemplo, o Bastonário da Ordem dos Psicólogos tinha manifestado há meses a preocupação sobre a forma como os discursos e comportamentos da generalidade das lideranças políticas são pouco promotoras de confiança e da construção de expectativas positivas.
Em diferentes ocasiões tenho referido no Atenta Inquietude a importância do que tenho designado exactamente por uma dimensão psicológica da crise, a confiança, ou, mais claramente, a falta de confiança. Esta importância verifica-se em termos individuais, quando nos sentimos confiantes, sentimo-nos mais capazes, verifica-se em termos de grupo, a título de exemplo, uma equipa de futebol confiante será seguramente mais eficaz, verifica-se de forma genérica em qualquer instituição e, finalmente, poderemos também dizer que sociedades mais confiantes sentir-se-ão mais capazes de enfrentar dificuldades.
Assim sendo, parece importante que as lideranças, entre todas as suas competências e acções, sejam capazes e competentes no sentido de transmitir confiança. Acontece que as nossas lideranças, em matéria tão importante, subordinam, como sempre, as suas acções aos interesses imediatos, sobretudo partidários, ou seja, basicamente, quem governa faz discursos excessivamente optimistas, que muitas vezes parecem negar a realidade, pintando-a de rosa e quem está na oposição produz discursos e visões catastrofistas. Como é óbvio, os cidadãos têm cabeça, qualquer dos discursos são um péssimo contributo à confiança realista e informada que precisamos de sentir face a dificuldades e a desafios complexos.
Nos últimos tempos, em que se têm acentuado as consequências dramáticas da crise a nível do emprego e da diminuição dos apoios sociais por exemplo, seria ainda mais necessário um discurso que contribuísse para identificar um rumo e promovesse e envolvesse os cidadãos na convicção e confiança de que seremos certamente capazes de ultrapassar, ainda que com momentos dolorosos, os tempos que vivemos.
O problema é que muita desta gente e dos seus discursos e comportamentos são parte do problema, dificilmente serão parte da solução como temos vindo a constatar.
Depois de vários anos de desemprego, dezenas de entrevistas e currículos enviados, uma idade "proibida" no mercado de trabalho, a dignidade de rastos, uma família afectada, parece difícil manter o optimismo. É preciso cuidado nos discursos sobre o optimismo. Quase nunca se é infeliz porque se deseja.

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