terça-feira, 29 de maio de 2012

A POBREZA DOS MIÚDOS

Poderíamos continuar centrados nos desenvolvimentos da novela protagonizada pelo sinistra figura do Ministro Miguel Relvas, mas na verdade existem questões bem maiores, por mais importantes que estes episódios possam ser. Em Relatório da UNICEF, "Medir a pobreza infantil", a divulgar hoje, Portugal surge em 25º lugar nos 29 considerados. Segundo dados de 2009, situação que se terá agravado, 27% das crianças portuguesas são carenciadas, no subgrupo famílias monoparentais a taxa sobe para 46.5 % e em famílias com ambos os pais desempregados a taxa de crianças carenciadas dispara para 73.6%.  No mesmo Relatório a UNICEF considera que 14,7% das crianças portuguesas vivem abaixo do limiar de pobreza.
Não são dados surpreendentes a não ser no seu volume que é assustador. As dificuldades das famílias e o que dessas dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para que não insistamos nestas questões e deveriam constituir a maior preocupação de uma comunidade que pense no futuro.
Há algum tempo, um estudo do ISEG apontava para que cerca de 40% das crianças e adolescentes vivessem em situação de pobreza, sendo que esse quadro de privação afecta sobretudo os padrões e a qualidade da alimentação. O estudo sublinhava também, entre ouros indicadores, que o grupo etário 0-17 anos é o mais vulnerável ao risco de pobreza tendo ultrapassado o dos mais velhos.
Por outro lado, relembro um estudo de há uns meses realizado pelo I junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro que revelou que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integram o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mas baixos.
Relembro que foi decidido há semanas providenciar pequeno-almoço às crianças nas escolas bem como, e isso tem acontecido em muitas circunstâncias, a abertura das cantinas escolares no período de férias, o alargamento do número de cantinas sociais ou da resposta nas instituições de solidariedade social. A medida peca por tardia, muitas crianças têm como alimentação não muito mais do que aquilo que as escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que se movem no universo da educação.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Miúdos carenciados aprendem pior e vão continuar pobres.

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