terça-feira, 8 de maio de 2012

PROVAS DE AFERIÇÃO, ÚLTIMA VIAGEM

A defesa continuada das mesmas ideias é considerada persistência e coerência ou, noutras circunstâncias, teimosia e cristalização. Quando me refiro ao entendimento que o actual MEC tem dos exames nacionais, fico teimoso e cristalizado. Assim, volto a esta questão.
O Público refere a realização pela última vez das provas de aferição no 4º ano em Português e Matemática que se transformarão no próximo ano em exames nacionais. No primeiro ano terão uma ponderação de 25% na nota final, passando a 30% depois do segundo ano da medida. Esta medida corresponde ao entendimento que o Ministro Nuno Crato sempre demonstrou sobre os exames que, como já tenho referido, devo confessar, tenho alguma dificuldade em entender. Na verdade, desde há muito que boa parte do seu pensamento educativo, se assim se pode chamar, se centra na promoção de mais exames como forma de melhorar a qualidade e os resultados dos alunos.
Não estando, evidentemente, em discussão a importância, a vários níveis dos exames, escapa-me como o seu aumento produza, só por si, qualidade e mudança. Por cincidência, nas últimas semanas foi divulgado um Relatório da OCDE, Reviews of Evaluation and Assessment in Education in Portugal, sublinhando a excessiva centração em avaliações de natureza sumativa e a ineficácia genérica dos chumbos na melhoria da qualidade no nosso sistema educativo.
Muitos dos países com melhores resultados escolares não têm exames nacionais nos primeiros anos de escolaridade, sobretudo com impacto no trajecto dos alunos, como vai ser instituído em Portugal. O importante objectivo das provas de aferição, avaliar e monitorizar o sistema, a qualidade genérica do trabalho de alunos e professores, é atingido em alguns países através de amostragem.
Os discursos que oiço na defesa dos exames não explicitam os ganhos de que aí advirão em termos de qualidade. Há semanas, a Secretária de Estado do Ensino Básico afirmava em profunda reflexão que é importante que os meninos se habituem a realizar provas de conhecimento. Sem dúvida, mas para isso são necessários exames nacionais?
A introdução de mais exames como panaceia da qualidade promove, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados e de vias diferenciadas de percurso educativo para os alunos sempre com a finalidade de promover qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita, corre o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, que deixa de lado os aspectos mais essenciais, a necessidade de promover qualificação para todos, sublinho todos, os alunos. Esta qualificação pode obter-se em diferentes níveis, desde o curso profissionalizante de curta duração até ao doutoramento. E nesta perspectiva continuo pouco convencido da imprescindibilidade de mais exames, ou seja, estou teimoso e cristalizado.

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