Até hoje está em discussão pública
o Referencial de Educação para a Saúde elaborado pela Direcção-geral de
Educação e pela Direcção-Geral da Saúde,
Trata-se de um texto orientador,
não prescritivo, destinado ao trabalho com as crianças da educação pré-escolar e os alunos do 1º, 2º, 3º ciclos e
ensino secundário no âmbito da Educação para a Saúde.
As escolas poderão desenvolver
iniciativas de natureza mais transversal envolvendo outras áreas disciplinares
ou conteúdos dedicados. São considerados cinco domínios: Saúde Mental e
Prevenção da Violência, Educação alimentar, Actividade Física, Comportamentos
Aditivos e Dependências e Afectos e Educação para Sexualidade.
Parece-me claro que não está
minimamente em discussão a importância de qualquer das matérias na formação
global de crianças e jovens no entanto creio que se justificam umas notas
breves.
Por diversas ocasiões tenho aqui manifestado
a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que possa de alguma forma
dizer envolver os mais novos deve ser ensinado na escola. Esta visão obesa da
escola não funciona, nem tudo deve ser transformado em disciplinas e conteúdos escolares,
para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam
finita a sua capacidade de responder.
Por outro lado, tem vindo a
desenhar-se, não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma
educação, de uma escola, fundamentalmente centrada em competências
instrumentais, em saberes “úteis”, "essenciais" como lhes chamava
Nuno Crato, destinada sobretudo a formar “técnicos” e não “cidadãos”
qualificados. Os currículos são progressivamente aliviados de conteúdos que não
sejam “práticos”, promotores de “produtividade”, “domínio de técnicas” como
seja toda a área da formação cívica, da educação para a saúde, dos valores, das
expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários,
poucos, e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos.
Estas ideias traduziram-se,
traduzem-se apesar de algumas mudanças indiciadas e afirmadas, nos conteúdos
curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve ser o
trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo,
prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
No entanto e independentemente
das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo a educação
estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular.
De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao
desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das
comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola
deve ensinar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola
e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode
ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias
como educação sexual, educação cívica ou educação para a saúde, agora em
apreciação, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se
como "disciplinas" e integrar os currículos escolares.
Em princípio, independentemente
dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinente, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de
mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, como se a escola, o
currículo escolar, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata
de um problema de recursos ainda que seja de considerar.
Como é evidente, pode dizer-se sempre que os conteúdos propostos
no Referencial para a Educação para a Saúde poderão integrar o trabalho escolar
considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas
escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto
de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados,
integrando ou não formalmente os currículos, não pode mesmo aumentar
continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o
ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar
a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a
formação global e não exclusivamente competências instrumentais, etc.
Somar conteúdos e competências à
escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem
corre risco de não providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o pode ser
interessante saber terá de caber numa disciplina da escola e nem tudo o que se
pode saber se aprende na escola. A dificuldade é que os alunos estão muito
tempo na escola e a tentação é óbvia, a escola que faça.
2 comentários:
Ainda acrescentaria: nem tudo o que se aprende na escola tem que ter o nome de conteúdo e caber numa disciplina... Um exemplo? Bem, podíamos começar pelas competências sócio-emocionais, que aparecem, no referencial, associadas à promoção da saúde mental: temos mesmo a certeza de que se "aprendem" em aula com hora marcada? ou também vamos aprendendo, de forma às vezes pouco intencional, no contacto com os outros à nossa volta? Aprender acontece em contextos diversos (formal, informal, não-formal, certo?), na escola e fora dela :)
Sem dúvida.
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