domingo, 14 de setembro de 2025

E O FUTURO?

 Os resultados das colocações na 2.ª fase de colocação no ensino superior vieram acentuar o abaixamento no número de candidatos que, tal como na 1.ª fase, se acentuou no ensino politécnico e nas instituições do interior, o que, naturalmente, terá impacto nas assimetrias regionais.

No total entraram 48.322 estudantes, um abaixamento de 16,5% face ao ano passado e o número mais baio dos últimos dez anos.

Tal como disse após a 1.ª fase, não me parece que a razão para o abaixamento deste ano assente de forma significativa no ajustamento do processo de conclusão e exames do secundário assim como as oscilações demográficas também não o explicarão.

Para além de um eventual cenário de desencanto ou ausência em muitos jovens de uma imagem criadora de futuro associada a qualificação de nível superior, creio que os custos de frequência do ensino superior entre propinas, materiais, vida diária e necessidades de deslocação e alojamento difíceis de suportar para muitos jovens e famílias e um dispositivo de bolsas insuficiente um peso significativo neste abaixamento de candidaturas. É também conhecido que o Ministério de Educação já anunciou o descongelamento de propinas nas licenciaturas a partir de 26/27.

Ainda há pouco aqui referi os dados seguintes, mas a realidade não muda e é preciso insistir.

Na verdade, os custos de deslocação e alojamento estarão foram do alcance de muitas famílias. No que se refere ao alojamento, de acordo com dados do Observatório de Alojamento Estudantil, o custo médio nacional de um quarto é de 415 euros e no último mês (Julho)  estariam disponíveis perto de seis mil quartos, mais de metade eram na região de Lisboa, onde haverá cerca de 50 mil estudantes deslocados. Ainda segundo o Observatório um quarto em Lisboa custa, em média, 500 euros por mês, mas pode chegar a 714 euros, o mais elevado do país. No Porto, o custo médio é de 400 euros, em Faro é de 380 euros, no Funchal é 465 euros e em Ponta Delgada, 400 euros. O Governo e algumas instituições de ensino superior têm anunciado a criação de mais camas para estudantes do ensino superior, mas o cenário é muito complicado e dificulta o acesso e frequência do ensino superior.

Aliás, para além deste menor número de alunos a candidatar-se ao superior também se verifica um aumento do abandono de estudantes no final do primeiro ano de frequência.

De acordo com o divulgado no portal Inforcursos  pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em 23/24, nos cursos técnicos superiores profissionais, CTeSP, 28.1% dos alunos não estavam a frequentar o ensino um ano depois de iniciarem o curso e nas licenciaturas a taxa de abandono é de 11,2%, também superior aos anos anteriores.

A estes indicadores não serão certamente alheios os custos da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.

Como tantas vezes tenho afirmado, a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos pelo que o elevado abandono é uma questão crítica como crítica será a não candidatura de muitos jovens.

Sabe.se também que se tem verificado um aumento do número de candidatos a bolsa e é também reconhecido que em muitas famílias se tem verificado uma perda de rendimento.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação a verdade em termos estruturais é estudar no superior é muito caro em Portugal e nem a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas minimizou esta situação.

Volto a um dado já aqui citado. De acordo com o Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias

Importa ainda referir que em parte significativa de países europeus as propinas não existem ou são muito baixas

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são frequentemente consideradas, do meu ponto de vista, de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

Não é particularmente animador o que a actual Secretária de Estado do Ensino Superior, Cláudia Sarrico, tenha referido em 2022 que, “as propinas de licenciatura são baixíssimas — muito menos do que se paga pelo infantário dos miúdos”, e que o “ensino superior gratuito, ou quase, tem um efeito regressivo”.

A questão é que a educação e qualificação são a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade. As políticas públicas deverão ter como objectivo enquadrar e sustentar os processos de educação e qualificação dos cidadãos, de todos os cidadãos.

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