Os resultados das colocações na 2.ª fase de colocação no ensino superior vieram acentuar o abaixamento no número de candidatos que, tal como na 1.ª fase, se acentuou no ensino politécnico e nas instituições do interior, o que, naturalmente, terá impacto nas assimetrias regionais.
No total entraram 48.322
estudantes, um abaixamento de 16,5% face ao ano passado e o número mais baio
dos últimos dez anos.
Tal como disse após a 1.ª fase, não
me parece que a razão para o abaixamento deste ano assente de forma
significativa no ajustamento do processo de conclusão e exames do secundário
assim como as oscilações demográficas também não o explicarão.
Para além de um eventual cenário
de desencanto ou ausência em muitos jovens de uma imagem criadora de futuro
associada a qualificação de nível superior, creio que os custos de frequência
do ensino superior entre propinas, materiais, vida diária e necessidades de
deslocação e alojamento difíceis de suportar para muitos jovens e famílias e um
dispositivo de bolsas insuficiente um peso significativo neste abaixamento de
candidaturas. É também conhecido que o Ministério de Educação já anunciou o
descongelamento de propinas nas licenciaturas a partir de 26/27.
Ainda há pouco aqui referi os
dados seguintes, mas a realidade não muda e é preciso insistir.
Na verdade, os custos de
deslocação e alojamento estarão foram do alcance de muitas famílias. No que se
refere ao alojamento, de acordo com dados do Observatório de Alojamento
Estudantil, o custo médio nacional de um quarto é de 415 euros e no último mês
(Julho) estariam disponíveis perto de
seis mil quartos, mais de metade eram na região de Lisboa, onde haverá cerca de
50 mil estudantes deslocados. Ainda segundo o Observatório um quarto em Lisboa
custa, em média, 500 euros por mês, mas pode chegar a 714 euros, o mais elevado
do país. No Porto, o custo médio é de 400 euros, em Faro é de 380 euros, no
Funchal é 465 euros e em Ponta Delgada, 400 euros. O Governo e algumas
instituições de ensino superior têm anunciado a criação de mais camas para
estudantes do ensino superior, mas o cenário é muito complicado e dificulta o
acesso e frequência do ensino superior.
Aliás, para além deste menor
número de alunos a candidatar-se ao superior também se verifica um aumento do
abandono de estudantes no final do primeiro ano de frequência.
De acordo com o divulgado no
portal Inforcursos pela Direcção-Geral
de Estatísticas da Educação e Ciência, em 23/24, nos cursos técnicos superiores
profissionais, CTeSP, 28.1% dos alunos não estavam a frequentar o ensino um ano
depois de iniciarem o curso e nas licenciaturas a taxa de abandono é de 11,2%,
também superior aos anos anteriores.
A estes indicadores não serão
certamente alheios os custos da frequência do ensino superior ou o “desencanto”
com a escolha.
Como tantas vezes tenho afirmado,
a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para
projectos de vida bem-sucedidos pelo que o elevado abandono é uma questão
crítica como crítica será a não candidatura de muitos jovens.
Sabe.se também que se tem
verificado um aumento do número de candidatos a bolsa e é também reconhecido
que em muitas famílias se tem verificado uma perda de rendimento.
No entanto, apesar destas
dimensões poderem constituir alguma justificação a verdade em termos
estruturais é estudar no superior é muito caro em Portugal e nem a recente
alteração do regulamento de atribuição de bolsas minimizou esta situação.
Volto a um dado já aqui citado.
De acordo com o Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a
percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo
do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%.
Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e
a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos
outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza,
também maior nível de qualificação.
Estudos comparativos
internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por
exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma
fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica
uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.
Importa ainda referir que em parte
significativa de países europeus as propinas não existem ou são muito baixas
Apesar de um abaixamento do valor
as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes
do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no
sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são frequentemente
consideradas, do meu ponto de vista, de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas.
Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é
um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Não é particularmente animador o
que a actual Secretária de Estado do Ensino Superior, Cláudia Sarrico, tenha
referido em 2022 que, “as propinas de licenciatura são baixíssimas — muito
menos do que se paga pelo infantário dos miúdos”, e que o “ensino superior
gratuito, ou quase, tem um efeito regressivo”.
A questão é que a educação e
qualificação são a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de
qualidade. As políticas públicas deverão ter como objectivo enquadrar e sustentar os
processos de educação e qualificação dos cidadãos, de todos os cidadãos.
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