segunda-feira, 22 de setembro de 2025

OS TEMPOS DA ABSURDIDADE

 Repetindo-me com uma preocupação crescente, os tempos vão estranhos e inquietantes, veja-se a situação nos Estados Unidos com o impacto mundial que tem e o que se passa noutros países incluindo o nosso.

Os discursos e comportamentos que circulam e se conhecem nos inúmeros suportes de cominicação são excessivamente contaminados por agendas, muitas vezes ocultas, outras explícitas e assustadoras. A produção e circulação de informação e conhecimento são excessivamente determinadas pela “pós-verdade”, pelos “factos alternativos” ou, em inglês que é mais sofisticado, em “fake news”.

Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social estão abaixo da linha de água e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção seja qual for a designação. Os últimos tempos em múltiplas geografias têm sido particularmente elucidativos e preocupantes.

Neste desassossego crescente, lembrei-me de novo de uma obra pouco divulgada do Professor António Bracinha Vieira, um homem enorme, um Mestre que me marcou e recordo de vez em quando pela sua lucidez e densidade cultural e científica.

O livro, "Ensaio sobre o termo da história - trezentos e sessenta e cinco aforismos contra o Incaracterístico" é um notável ensaio de Bracinha Vieira sobre o que designa como tempo da Absurdidade em que predomina o Incaracterístico e organiza-se em 365 parágrafos antológicos, os "aforismos", que combatem esse personagem dominante, o Incaracterístico. A primeira edição do livro é de 1994, foi objecto de alguma discussão num círculo diminuto e é evidente em muitos dos aforismos uma espécie de premonição do que agora vivemos

Partilho convosco os aforismos 15 e 18.

"Instalou-se no jargon cripto-anglófono do Incaracterístico uma inversão radical do sentido das palavras liberal, liberalismo (ainda presas a um étimo comum com liberdade) insinuando sob o totalitarismo da Absurdidade uma negaça de democracia. Decidido a desnaturar conceitos prestigiosos dos quais nem sequer consegue discernir o alcance, o Incaracterístico investe esses termos de um significado oposto ao que lhes cabia."

"A democracia da Absurdidade exerce-se num cenário oposto ao da cidade-estado: o Incaracterístico elege o Incaracterístico, e todas as alternativas em jogo a ele conduzem. Os sujeitos cujos nomes são designados logo surgem nos ecrãs-circo da Grande Absurdidade, preenchendo hiatos entre a publicidade mercantil, sem se aperceberem que são mercadoria de outras espécies. Dali debitam os seus sirénicos e sorumbáticos cantos e a escolha entre eles é o fiel da liberdade do Incaracterístico".

A pensar.

A pensar.

A pensar.

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