Para fugir ao peso de uma agenda que nos assombra os dias, uma história de lá para trás no tempo.
Há quase 60 anos estava eu a
assistir à prova oral do meu colega Fernando na disciplina de Ciências
Naturais, acho que era assim que se chamava, do 5º ano do antigo curso do
Liceu, quando o Setôr Jardim, professor competente, mas demasiado sério para o
nosso gosto, disse ao meu colega para ir buscar uma peça que se encontrava numa
mesa com materiais de apoio às provas. Tratava-se de um papagaio embalsamado,
empoleirado num pequeno tronco.
Com o papagaio na mão do
Fernando, o Setôr Jardim exigiu a classificação do bicho. O meu colega
respondeu terminando com a referência à pertença ao grupo das Trepadoras, não
sei se será ainda uma designação actual. Inquirido sobre a justificação,
respondeu que se devia ao facto de estar equipado com dedos opostos nas patas
que optimizavam a função de trepar.
Num raro momento de humor, mas
mantendo a habitual sisudez, o professor perguntou-lhe como sabia ele tal coisa
se desde o início agarrava o papagaio pelas patas. Pois o meu amigo Fernando
respondeu tranquilamente que tinha um papagaio em casa. O exame acabou por ali,
com sucesso, diga-se.
Tal como naquele tempo, creio que
uma parte da nossa escola ainda desconhece, não quer ou não pode, o que os
miúdos carregam na mochila, o que já sabem quando se sentam, seja aprendido em
casa, nos ecrãs onde se fecham ou noutro qualquer cenário que não a sala de
aula. O que há para saber está dentro do manual, dos manuais, dentro da sala de
aula. O que os miúdos carregam, bom ou mau, muito ou pouco, ou não é valorizado
ou nem sequer é conhecido.
A escola é sempre mais sucedida
quando conhece o que os miúdos sabem e os leva a um passo adiante. É verdade
que os tempos e os conteúdos impostos a uma escola “obesa” dão pouca margem e
tempo para, de facto, conhecer os miúdos.
No entanto, como sempre digo, a
gente só aprende a partir do que já sabe. Por isso é que muitos miúdos
experimentam sérias dificuldades para darem passos na aprendizagem que, algumas
vezes, são maiores que as suas pernas.
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